Por Adriano Pires e Rafael Schechtman
O Brasil ainda dispõe de um potencial hídrico de 165 GW para a geração de energia elétrica. Desse montante, 53% encontram-se na Região Norte, onde hoje se constroem grandes usinas, como as Hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte. A transformação em energia desse potencial, porém, se defronta com restrições à inundação de grandes áreas, que obriga as novas usinas a terem reservatórios pequenos comparados à sua capacidade de geração. Assim, as usinas são incapazes de estocar energia, dificultando a modulação e a regularização plurianual do sistema hidrelétrico.
Para compensar a perda da capacidade de regularização, será cada vez mais necessário complementar a geração hídrica com outras fontes de energia, como a eólica e a termoeletricidade a bagaço de cana e a combustíveis fósseis. Entre estas últimas, as termoelétricas a gás natural apresentam vantagens e terão papel importante na matriz elétrica futura. Logo, um modelo hidrotérmico poderá trazer benefícios, se as políticas do governo promoverem, ou pelo menos não atrapalharem, a concorrência das termoelétricas a gás entre si e com as demais fontes.
Não foi o que se viu no 11.º leilão de energia elétrica, em que a Petrobrás abusou de seu poder de mercado. Por produzir a maior parte do gás natural nacional e ser monopolista na importação do combustível, a estatal, ao contrário das empresas não verticalizadas, não precisa assinar contratos de fornecimento de gás para se habilitar a esses leilões. Além disso, pode criar barreiras à participação de concorrentes ao impor-lhes preços e condições de fornecimento desfavoráveis ou alegar indisponibilidade de gás ou de capacidade de transporte, para negar contratos de fornecimento. Como se não bastasse essa situação não isonômica do leilão, desconhece-se o preço implícito do gás fornecido pela Petrobrás a sua própria usina. Para o próximo leilão, em dezembro, não deveremos ter a participação de usinas a gás. A Petrobrás não se interessou em participar do certame nem assinou contrato com as 32 empresas interessadas, pois, segundo seu presidente, a estatal não tem gás disponível que permita assinar novos contratos de fornecimento.
O comportamento da Petrobrás ameaça o modelo do setor elétrico, que, segundo seus criadores, tem como um de seus elementos centrais a promoção da competição pelo mercado, estabelecida pela obrigatoriedade da venda de energia às distribuidoras por meio de leilões públicos. Porém, a cada leilão, o comportamento da estatal desestimula a competição, ao inviabilizar a participação das concorrentes privadas não verticalizadas.
Essa atitude compromete ainda o objetivo de modicidade tarifária do governo, uma vez que a prática de preços diferenciados da Petrobrás para suas termoelétricas, ao eliminar a concorrência, alija dos leilões competidores mais eficientes na construção e operação de usinas termoelétricas. Ao praticar preços diferenciados para afastar as concorrentes no leilão, a estatal passa a gozar de um ganho monopolista na geração de energia elétrica que pode vir a encarecer o seu preço.
O comportamento da Petrobrás no setor elétrico acaba refletindo também na competição nas atividades de exploração e produção de gás natural. Além de ser a maior produtora brasileira de gás natural e a única transportadora e importadora do combustível, a estatal é grande consumidora de gás natural em suas refinarias e plantas de fertilizantes, e também tem participação acionária relevante na petroquímica e em 21 das 23 distribuidoras de gás canalizado operando no País. Até recentemente, a geração termoelétrica era a única importante âncora de consumo de gás em que a empresa não exercia poder de mercado. Assim, o domínio da estatal nessa atividade inibirá novos investimentos na produção de gás de empresas não verticalizadas, uma vez que elas terão mais dificuldades em comercializar o gás.
Cabe ao governo, como formulador da política energética, como regulador e como acionista majoritário da Petrobrás, regular e controlar o monopólio desregulado da estatal no gás natural e as consequências disso nas suas práticas no setor elétrico. Do contrário, como se não bastasse o poder de monopólio exercido pela empresa na indústria do petróleo e do gás natural, a Petrobrás agora tornará o setor elétrico refém de suas decisões.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 30/11/2011
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