Nenhuma história revela de modo tão fiel a essência do capitalismo de compadrio no Brasil quanto a do Grupo J&F sob o comando dos empresários Wesley e Joesley Batista. Ela reúne todos os ingredientes que tornam nossa economia exemplo de, ao mesmo tempo, pujança e estagnação, arrojo e atraso, ambição e medo. É essa a história narrada em Why not, da jornalista Raquel Landim, lançado nesta semana. O título — “Por que não”, em inglês — é o nome que Joesley decidiu dar a um de seus iates. Assim mesmo, sem ponto de interrogação. Traduz o espírito de um empresário tão cheio de si, que nem sequer perguntava se deveria ir adiante na hora de fazer negócios. Apenas ia.
Do pequeno açougue em Goiás que originou o frigorífico Friboi, os Batistas ergueram a maior empresa privada brasileira e o maior exportador de carne do planeta, a JBS, cujo faturamento ultrapassou os US$ 170 bilhões. O grupo chegou a reunir ainda negócios nas áreas de cosméticos, celulose, energia, finanças e até mídia. A fábula durou até dois anos atrás, quando veio à tona a gravação escandalosa da conversa noturna entre Joesley e o então presidente Michel Temer no subsolo do Palácio do Jaburu. Depois da crise desencadeada pela delação de Joesley, Wesley e demais executivos da JBS, os dois irmãos, que antes tentavam se livrar do cerco de policiais e procuradores, passaram a responder por seus crimes.
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No acordo de colaboração premiada que tentaram fechar com a Procuradoria-Geral da República, confessaram ter subornado nada menos que 1.829 políticos. Joesley funcionava como uma espécie de banqueiro informal do PT, acumulando propinas numa conta-corrente da qual o partido sacava ao sentir necessidade, sobretudo na hora de financiar campanhas eleitorais. Dava dinheiro também a políticos de PSDB, PMDB, DEM e a todos os que poderiam facilitar a vida de suas empresas. Em troca, interferia nas decisões de seu interesse e, na hora de expandir seus negócios, obtinha financiamentos generosos dos organismos mais abastados do Estado brasileiro: BNDES, Caixa Econômica Federal e fundos de pensão das estatais.
O crescimento do Grupo J&F repetia um roteiro-padrão, sempre com dinheiro público, nunca sem corrupção. Não que faltasse talento para farejar oportunidades ou para gestão. Repórter experiente na cobertura de negócios, Raquel Landim é minuciosa no relato das investidas dos Batistas pelo Brasil e pelo mundo. Mostra como Wesley, no início sem falar uma palavra de inglês, trouxe o lucro de volta às empresas em dificuldade que comprou nos Estados Unidos. Revela a curiosidade e o tirocínio de Joesley ao investigar a fundo os setores em que desejava investir. Demonstra como ele soube usar a imagem de caipira interiorano para estabelecer, cultivar e financiar relações políticas de todo tipo. Landim conta em primeira mão que, no episódio do impeachment, Joesley dava dinheiro a ambos os lados, intermediou encontros na tentativa de reconciliá-los e só abandonou Dilma Rousseff quando sua queda se tornou inevitável.
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O principal trunfo do livro é a quantidade e qualidade de informações como essas, amarradas numa narrativa coesa. De um relato que encadeia histórias de negócios, tramoias políticas, discussões jurídicas e operações da Polícia Federal não se espera um texto lá muito divertido. Mesmo assim, teria sido possível tornar a leitura mais agradável. O estilo formal incomoda. Mulher vira “esposa”, morto vira “falecido”, comprar vira “adquirir”, fábrica vira “planta” e os Batistas, inexplicavelmente, viram “os Batista (sic)” . Outra lacuna está no retrato de personagens riquíssimos como Joesley, cujos trejeitos e linguajar característicos são pouco explorados. Há, por fim, a carência analítica. A principal questão levantada pelos fatos nem sequer é expressa (fica, portanto, sem resposta): teria sido possível a empreendedores de talento, como Wesley e Joesley, crescer no Brasil sem a ajuda do Estado? Ou, olhando para o futuro, será possível florescer neste país um capitalismo vigoroso sem o compadrio?
Fonte: “Época”, 23/05/2019