Não sou jurista, não vou dar pitaco na questão técnica dos tais embargos infringentes. Vale apenas notar que há muita gente renomada, a começar por eminentes ministros do STF [Supremo Tribunal Federal], que não reconhecem tal direito. Acrescentaria, ainda, que mesmo o “novato”, ao aceitar os embargos, admitiu se tratar de complexa escolha, com bons argumentos de ambos os lados.
O apelo, portanto, será feito em nome de algo maior do que as tecnicidades que ora pendem para um lado, ora para o outro. Os ministros estão cansados do caso do mensalão?
Imaginem o povo brasileiro! Ao menos aqueles que leem jornais, acompanham o noticiário e sabem que o caso foi uma nefasta tentativa de golpe na democracia.
Estamos saturados da impunidade também. No Brasil, o excesso de instâncias e de possibilidades para recorrer fez com que o legalismo fosse sinônimo de prescrição das penas para os ricos e poderosos. Para estes, não há direito de ampla defesa, mas de defesa irrestrita e infindável. O que, para efeitos práticos, é o mesmo que impunidade. Eis o maior convite ao crime.
O STF, agora [no dia 17 de setembro], está a um dia e um voto de fazer história. Ou teremos o escárnio, a desesperança e a revolta popular, ou podemos dar um importante passo rumo à construção de uma democracia mais sólida, uma República mais robusta. É um peso grande que jogaram nos ombros do ministro Celso de Mello, o decano da instituição.
A Corte Suprema ainda goza de credibilidade perante o povo, apesar de uns dois ou três petistas disfarçados de ministros. O aparelhamento da máquina estatal pelo PT não poupou nenhuma instituição. Vide o Itamaraty, hoje desprestigiado sob a camisa de força ideológica, brincando até com a vida dos outros em nome de seus interesses partidários. Será que o STF vai afundar também?
Espero que não. Para isso, preciso depositar todas as esperanças no voto de Celso de Mello. Não tenho, claro, a pretensão de influenciar sua decisão. Mas meu apelo é tudo que posso fazer, então faço. E peço a ajuda de Shakespeare para fazê-lo.
Em “O mercador de Veneza”, Shylock não aceita abrir mão do contrato em nome do bom senso. O devedor Antônio chega a oferecer quantia bem maior do que devia, mas contrato é contrato, diz o judeu, ressentido de todo o antissemitismo de que fora vítima. Quer de qualquer jeito a libra de carne a que tem direito.
Eis que Pórcia, disfarçada de juíza, tem a grande sacada da peça. Se é para seguir o contrato de forma precisa, letra por letra, e não o “espírito da lei”, então tudo bem: Shylock pode retirar a libra de carne de Antônio, mas nem uma única gota de sangue pode sair junto. Afinal, nada disso consta do contrato entre as partes.
Shylock entra em desespero, naturalmente. Foi vítima de sua própria obsessão legalista, ignorando qual era o espírito daquele contrato, o que realmente estava em jogo ali. Pagou o preço por seu erro.
Alguns ministros do STF tentam se pegar minuciosamente em frases soltas, jurisprudência questionável (o caso em julgamento não tem precedentes), brechas legais, tudo para reabrir o julgamento, o que seria atrasá-lo quase indefinidamente, caducando certos crimes. E o espírito da lei, onde fica?
“Nunca presenciei um caso em que o delito de quadrilha se apresentasse tão nitidamente caracterizado.” Quem disse isso? O próprio ministro Celso de Mello. Tem mais: “A essa sociedade de delinquentes o delito penal brasileiro dá um nome, o de quadrilha ou bando.”
Não basta? Então vejamos: “Esses atos significam uma tentativa imoral e ilícita de manipular criminalmente, à margem do sistema funcional, o processo democrático.” Disse ainda: “Esse processo revela um dos episódios mais vergonhosos da história política de nosso país.”
O voto condenatório de Celso de Mello foi um dos mais duros, e foi aplaudido por isso. Não aliviou para o lado desses “marginais no poder”, dessa “quadrilha de bandoleiros de estrada”, desses “verdadeiros assaltantes dos cofres públicos”. Foi enfático: “Devem ser condenados e punidos com o peso e o rigor das leis dessa República.”
E então, ministro? O Brasil todo está atento e apreensivo, aguardando o voto decisivo que pode encerrar a novela do mensalão, ou abrir mais um capítulo vergonhoso. Isso não pode acabar em pizza! “Ninguém poderá viver com dignidade em uma República corrompida”, disse o ministro. Os brasileiros decentes concordam!
O STF não pode perder o juízo. Vamos dar um passo na direção da Venezuela, ou na direção contrária? Amanhã terá festa de Dirceu, ou comemoração dos brasileiros honrados? Com o voto, o ministro Celso de Mello.
Fonte: O Globo, 17/09/2013
Você começou bem seu texto: “Não sou jurista”.
É como se eu, jurista, ficasse opinando acerca da forma como opera um médico. Ou pegasse o pincel do artista para sugerir um traçado diverso.
A questão agora é outra.
O impasse existente na maior e última instância do Poder Judiciário nunca poderá pender para prejudicar o réu. Este é um princípio basilar do Direito Penal: IN DUBIO PRO REO.
Ele se aplica, por exemplo, quando as provas são insuficientes, para que em benefício do cidadão livre, a Justiça seja a mais correta possível.
Não é o que se está discutindo neste momento no caso do mensalão, agora a questão é se admitem ou não a análise dos embargos infringentes. Em todo caso, ainda que não seja a mesma situação, o IMPASSE DOS MINISTROS DO STF DE PER SI, já obriga o Juiz a se manifestar à favor do réu, não porque o está defendendo, mas porque objetiva garantir a Justiça universal, plena e democrática,que é o que todos nós buscamos.
Com relação à impunidade e excesso de recurso, que afogam o judiciário de processos sem fim, sem dúvida há que se resolver e isso depende apenas do Poder Legislativo. Neste momento o P.Judiciário age como age, pois as LEIS que elaboramos assim dizem.
Desejo que os petralhas sejam presos e que consigamos retomar o Brasil desta gangue aloprada de desgovernados ineficientes que se instalaram em Brasília a uma década, envergonhando nosso país mundo afora, porém a Justiça deve ser resguardada não importa o que for.
a coisa mais importante é a lei e o estado de direito amiguinho, o resto é choro, querer passar por cima da ténica, da jurisprudencia e da lei, por apelo popular (será?), é abrir exceção ao proprio estado de direito, e no estado de exceção, nao tem opiniao.