Parte dos acidentes de trânsito tem numa das pontas um motorista que ingeriu álcool. Ainda assim, decisões judiciais mandam seguradoras pagarem indenizações às vítimas.
O Brasil é um dos campeões absolutos em acidentes de veículos. O resultado é que poucos países no mundo conseguem igualar nossa marca anual de mais de 60 mil mortos por conta do trânsito. O dado mais apavorante é que as últimas estatísticas publicadas apontam o crescimento deste número, que fica mais apavorante ainda quando se descobre que os acidentes com mortes envolvendo motocicletas aumentaram 300% de 2002 a 2010. Boa parte dos acidentes de trânsito brasileiros tem numa das pontas um motorista que ingeriu bebida alcoólica. A sensação de impunidade é de tal ordem que jovens que frequentam as baladas não sentem qualquer pudor em dar entrevistas dizendo que bebem e dirigem e que, se acontecer o pior, pagam a fiança e vão para casa. Não há qualquer sentimento de culpa, não há qualquer padrão minimamente ético em relação à vida do próximo. O ideal é que o próximo não morra num acidente causado por eles, mas se morrer, tudo bem, o pai paga a fiança e o gasto com advogado, porque a vida continua.
A quantidade de casos brutais que rechearam às mídias nos últimos meses serve para atestar que, pelo menos em São Paulo, a Lei Seca não produziu os efeitos desejados. E, se no Rio de Janeiro ela é mais severamente aplicada, a simples possibilidade do motorista não fazer o teste do bafômetro tira muito de sua eficácia.
Mas o quadro fica mais obscuro ainda por conta de decisões judiciais que mandam as seguradoras pagarem indenizações para as vítimas dos motoristas alcoolizados. Tanto faz se a apólice tem exclusão expressa para as indenizações decorrentes de acidentes onde o motorista consumiu álcool ou drogas. Tanto faz se o conceito por trás da regra não é o acidente, mas o fato do cidadão estar dirigindo após consumir bebida alcoólica. Tanto faz se a lei, há alguns anos, diz que é crime dirigir com mais do que um determinado porcentual de álcool no sangue. O cidadão embriagado se envolve no acidente e a Justiça manda a seguradora pagar o estrago que ele causa.
Quem paga esta conta não é a seguradora, mas toda a sociedade, principalmente os demais segurados que respeitam a lei e que terão seus seguros encarecidos em função das indenizações pagas por ordem judicial para cobrir sinistros sem cobertura na apólice.
O cenário é negro, mas surgiu uma luz no fim do túnel. Uma luz que pode começar a reverter a tendência apontada acima e, a médio prazo, até reduzir o número de mortes no trânsito brasileiro.
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou recentemente, por unanimidade, ação na qual decidiu que dirigir embriagado é crime. Como disse o relator do processo, Ministro Ricardo Lewandowski, é a mesma coisa que alguém andar armado. Ele não precisa usar a arma para cometer o delito, da mesma forma que o simples fato do motorista estar embriagado passa a ser suficiente para configurar o crime. Em outras palavras, o acidente ocorrer ou não é irrelevante. A ação que fere a lei é a condução do veículo por motorista com teor alcoólico no sangue superior ao determinado no Código de Trânsito.
Como balizamento da Suprema Corte é de se esperar, em primeiro lugar, o aumento da fiscalização e, em segundo, o fim das decisões judiciais que determinam às companhias de seguros o pagamento de indenizações decorrentes de acidentesde trânsito onde o motorista do veículo segurado está com teor de álcool superior ao permitido pela lei.
Seguro não existe para premiar ilícitos penais.Seguro existe para indenizar acidentes decorrentes de culpa ou fatos independentes da vontade do segurado. Quando alguém enche a cara, pega um carro e sai pela cidade, antes de tudo, está cometendo um crime, mas, também, está deliberadamente assumindo o risco de causar um acidente. As duas situações são excludentes do direito ao recebimento da indenização das apólices de seguros.
Quem sabe, daqui pra frente, graças ao STF, ao aumento da fiscalização e à possibilidade das seguradoras negarem as indenizações, o número de mortes no nosso trânsito comece a cair.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 28/11/2011
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