Em primeiro lugar, a preocupação do governo com o custo do crédito é meritória. Atualmente, o Brasil atravessa uma crise de inadimplência: 5.800.257 empresas e 63.427.939 cidadãos têm anotações de atraso. Consequentemente, estão com dificuldades e impossibilitados de contratar bens e serviços. Uma ação para reverter este quadro foi o tabelamento dos juros do cheque especial e a adição de uma nova tarifa bancária.
Segundo, tabelamentos sempre fizeram parte da regulação bancária no Brasil. A remuneração da caderneta de poupança é fixada há mais de um século. Todas as linhas de créditos direcionados e do consignado de servidores públicos e do INSS perfazem 53,9% do total e são tabeladas. Para corrigir distorções, são instituídas cada vez mais distorções.
Terceiro, análises dinâmicas, não estáticas, mostram que em determinadas circunstâncias um tabelamento de juros pode representar um aumento do lucro dos bancos. Isso depende do efeito na atividade econômica, da elasticidade-juros da demanda de financiamentos, das externalidades e da redução da inadimplência. A eficiência dos mercados em geral – e do financeiro, especificamente – depende de medidas para evitar equilíbrios perversos, em que todos perdem. Protegem-se os banqueiros dos banqueiros, assim como os pescadores dos pescadores ao proibir pesca na época da desova.
Quarto, falta transparência à Resolução n.º 4.765, que limita os juros cobrados sobre o valor utilizado em 8% ao mês. Essa taxa anualizada corresponde a 151,8% ao ano, que com IOF para 30 dias sobe para 171,5% ao ano. Se o prazo for menor, como o IOF tem uma parcela fixa, sobe mais ainda. Em 20 dias, para 177,8%; em 10 dias, para 197,5%; e, se for por um dia, para 921,4% ao ano. Fica a dúvida se o banco tem de reduzir a taxa cobrada para que fique no limite da norma ou não. A regulação também não explicita se a taxa é para dias úteis ou dias corridos. A inclusão de uma tarifa para compor a taxa aumenta ainda mais a opacidade da intermediação.
Quinto, numa operação de dez dias, se o cliente cobrir o saldo negativo, o governo fica com 51,4% do pagamento e o banco com os 48,6% restantes, além de arcar com todos os custos operacionais e financeiros. Alguns desses custos são ocasionados pelo governo, como os depósitos compulsórios e as despesas causadas por normas contraproducentes. Se o cliente ficar inadimplente, o banco tem de recolher o IOF e assumir o prejuízo e todos os demais custos.
Mais de Roberto Luís Troster
Delírios econômicos na Argentina
Pontos cegos no debate sobre crédito
Jubileu de prata do real
Sexto, tabelamentos de juros fazem parte da literatura econômica desde sua origem. Adam Smith, considerado por muitos o “pai” do liberalismo econômico, defendeu o tabelamento de juros (Livro II, capítulo 2). Mais de 70 países colocam um limite aos juros cobrados, todos com taxas inferiores a 8% ao mês. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou juros abusivos quando forem excessivos em relação à taxa média de mercado, que de acordo com o Banco Central do Brasil é de 30,1% ao ano para pessoa física. Há instituições cobrando 10, 20 e até 30 vezes este valor, e nada. É uma esculhambação, não é a única.
Sétimo, se o tabelamento não for para todas as linhas de crédito, é razoável antecipar que haverá uma migração para outras linhas mais caras, que deverão ser mais oferecidas que o cheque especial. Desta forma, o efeito da resolução em análise será pífio. Ocorrerá algo parecido com o que aconteceu com o cartão de crédito, em que os volumes e as taxas do parcelado aumentaram após as restrições ao rotativo.
Por último, por incrível que pareça, mais transparência para o tomador de crédito e uma tributação mais eficiente, destacadas acima, e outras medidas, como regras de precificação e classificação de operações, não aparecem nas agendas para baixar os juros. Em outras palavras, o problema principal dos juros altos não é a ganância dos bancos, nem a concentração bancária, nem os custos. É o faz de conta de mudar sem mudar nada. Com uma agenda transformadora, bancos lucrariam mais e o Brasil, mais ainda.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 3/12/2019