Tramita no Senado a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que institui o Orçamento impositivo. A PEC foi aprovada pela Câmara em primeiro turno. A votação em primeiro turno no Senado deve ocorrer ao longo da semana. Em seguida, a PEC terá que ser aprovada em segundo turno no Senado e na Câmara, para ser promulgada.
O Orçamento impositivo é um instituto do presidencialismo bipartidário norte-americano. A ideia é que o Executivo tem que executar o Orçamento aprovado pelo Congresso sem alterações.
No Brasil, uma parcela de 90% do Orçamento já é enrijecida, pois se trata de despesas não discricionárias, como aposentadorias, salários e pagamento de juros, além das transferências para estados e municípios. Mesmo entre as despesas discricionárias, diversas rubricas são, na prática, obrigatórias, como os gastos com o programa Bolsa Família.
[su_quote]O Orçamento impositivo trará ao presidente mais dificuldades de montar e sustentar coalizões[/su_quote]
O objetivo da PEC é tornar obrigatórios os gastos com as emendas parlamentares. Penso que a adoção do Orçamento impositivo será negativa para a qualidade da gestão política de nosso presidencialismo de coalizão, que tem a característica de ser fragmentado. A alteração feita pela PEC não é boa ou ruim em si. Não há conteúdo moral essencial a ser defendido. A oportunidade da PEC tem de ser discutida no contexto de sua funcionalidade, dada a arquitetura mais ampla de nosso sistema político.
Em nosso presidencialismo com voto proporcional em grandes distritos (São Paulo, por exemplo, é um distrito com 70 cadeiras), há fortíssima fragmentação política e enorme capacidade de representação de minorias. No sistema distrital americano, uma minoria que represente 10% da população, espalhada no território, não terá assento na Câmara. No Brasil, terá 10% dos assentos.
Essa característica faz com que nosso Legislativo defenda pautas de partes da sociedade. Quem defende o interesse agregado é o Executivo. Isso porque o Executivo é o Poder cobrado e visto como responsável pelo desempenho da economia. Os deputados e, em menor escala, os senadores defendem agendas particulares, apesar de geralmente legítimas.
A compatibilização entre os interesses particulares e o resultado agregado – e, portanto, o interesse comum – é arbitrada pelo Executivo, que precisa de instrumentos para fazer com que a banda toque afinada. Grosso modo, o Executivo tem dois instrumentos de gestão: a distribuição de ministérios e cargos em estatais e a liberalização das emendas parlamentares.
A negociação de liberação de emendas parlamentares em troca de votações de projetos que atendam ao interesse agregado é um legítimo instrumento de gestão da base de apoio do Executivo.
Diferentemente do que se acredita, o recurso liberado para as emendas não constitui corrupção. Há casos desse tipo, mas certamente são minoritários. Normalmente os recursos são liberados para a provisão ou a melhora de algum serviço público de oferta local.
Nesse caso, parece-me que a agenda prioritária seria melhorar os instrumentos de execução orçamentária. Por exemplo, há sinais de que falta continuidade nas obras entre diferentes exercícios do Orçamento.
O resultado, portanto, é que a PEC retirará do Executivo um dos principais instrumentos que tem para defender o interesse difuso e agregado. Sua aprovação tornará nosso sistema político mais sensível aos interesses particulares. E esse, sim, é certamente um problema seríssimo do exitoso funcionamento de nosso presidencialismo de coalizão.
Além do mais, o presidente enfrentará mais dificuldades de montar e sustentar coalizões. Os parlamentares vão internalizar os recursos de emendas como dados, e o Executivo vai ser obrigado a encontrar outros mecanismos de troca para poder montar e sustentar coalizões multipartidárias ao longo do governo. Ou seja, os custos de gerência da coalizão vão aumentar.
Sairemos da PEC, se aprovada, pior do que entramos. Quando se trata do desenho institucional, a importação de instituições de sistemas que apresentam arquitetura totalmente diversa pode ser disfuncional.
Esse parece ser o caso com a adoção do Orçamento impositivo, um mecanismo que pode fazer sentido no presidencialismo majoritário norte-americano, mas que não funcionará no presidencialismo altamente consensual que construímos nos últimos 30 anos.
Fonte: Folha de S. Paulo, 10/11/2013
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