Um sacolejo, captado pelos sensores de movimento de um telefone celular, é apenas um sacolejo. Mas quando vários telefones sacolejam numa mesma coordenada de GPS, é sinal de que há um buraco no caminho. Um buraco cuja urgência de reparo pode ser estimada pela quantidade de celulares que por ele passaram. O aplicativo Street Bump, da prefeitura de Boston, nos Estados Unidos, é um exemplo de como o Big Data – volume descomunal de dados, que ganham sentido quando filtrados com inteligência – pode tornar as cidades melhores e mais baratas. Para Edward Glaeser, professor de economia da Universidade Harvard, autor do livro O triunfo das cidades, o Big Data não é uma fórmula mágica – como os mais otimistas apregoaram na década passada, quando o assunto chegou ao mundo das empresas. Nem substitui os humanos, como apregoaram os mais pessimistas. “Ao contrário, torna as pessoas mais importantes, ao facilitar sua participação”, diz. Glaeser veio ao Brasil para um debate no seminário de urbanismo Arq.Futuro.
Época – O Big Data popularizou-se na década passada como uma espécie de palavra mágica no mundo dos negócios e, de certa forma, perdeu parte de seu apelo como solução para todos os problemas. Como podemos comparar o valor do Big Data para orientar as decisões de empresas e governos?
Edward Glaeser – Sempre achei que a revolução do Big Data estava sendo superestimada. Ele permite medir muito mais, mas isso não quer dizer que você conseguirá necessariamente resolver mais problemas. A eficiência do Big Data é maior para orientar certos negócios, como a publicidade. Para a gestão de cidades, é um pouco mais difícil. O setor privado consegue ser muito mais ágil que o setor público. Não é apenas uma questão de conhecer melhor um problema. Você precisa mover todo um conjunto de leis e regulações e burocracias para responder àquelas informações.
Época – Onde estão os melhores exemplos de aproveitamento de Big Data na gestão pública?
Glaeser – A gestão do prefeito Michael Bloomberg, em Nova York, trouxe ótimos exemplos. Ele abraçou a ideia desde o princípio e atraiu um monte de gente capacitada para trabalhar com isso. Em outras cidades, funcionários públicos têm dificuldade para fazer operações básicas em seus computadores. A cidade de Boston lançou o Street Bump, aplicativo que informa à prefeitura onde estão os buracos nas ruas, baseado na vibração que os celulares sofrem quando o carro cai. Também há o aplicativo Where’s my Bus?, que mostra onde está o ônibus. O governo divulgou os dados da rede de ônibus e o setor privado encontrou formas de aproveitar aquela informação. Um ótimo exemplo são os aplicativos de avaliação de restaurante, capazes de identificar as casas problemáticas. Ontem eu soube de cidades que estão usando o Twitter para identificar problemas de trânsito, sobretudo em situações atípicas, como aquelas vistas na Olimpíada. Isso não resolve o problema do trânsito, em si. Apenas informa melhor onde o problema está. Com aplicativos, o cidadão consegue aproveitar melhor os serviços da cidade e cobrar melhorias.
Época – Quais mitos da administração pública os aplicativos estão ajudando a combater?
Glaeser – Certas cidades do Chile e dos Estados Unidos estão usando algoritmos para identificar o grau de riqueza das casas e dos bairros, retratados em imagens de satélite e do Google Maps. Assim, podem reajustar a cobrança de IPTU e canalizar recursos. Os pesquisadores encontraram um padrão visual proporcional à riqueza.
Época – A prefeitura do Rio de Janeiro teve dificuldade para desenvolver um trabalho de Big Data como o de Nova York. Como transpor boas soluções de uma cidade para outra?
Glaeser – Praticamente, nenhum problema será resolvido pelo mero levantamento de dados. É preciso ter inteligência para identificar os dados que importam, para registrar e para interpretar.
Época – Ao aproveitar dados de aplicativos, a prefeitura se torna mais bem informada sobre os problemas de quem tem smartphones e, proporcionalmente, menos informada sobre os problemas de quem não tem. Como impedir que cidadãos não conectados se tornem invisíveis?
Glaeser – É um problema. Algumas tecnologias são distribuídas mais igualitariamente que outras. Dados de celulares são mais representativos que manifestações pelo Twitter. Mas nem mesmo os dados de celulares são universais. Existe um grande potencial na interpretação das imagens colhidas pelo Google Maps. Sobretudo na África, onde há uma carência enorme de informações oficiais.
Época – Hoje, “fazendas de like” tornam pessoas artificialmente mais populares no Facebook. Esse tipo de manipulação pode tornar certos problemas artificialmente mais urgentes que outros, na lista de prioridades da refeitura? Como impedir?
Glaeser – O mais importante é confrontar. Ter vários grupos dedicados aos mesmos dados e grupos dedicados a outras fontes de dados. É evidente que moradores ricos tentarão enganar aquele algoritmo que estima o valor dos imóveis a partir das imagens do Google Maps. Pode apostar. Ele precisará ser revisto e cruzado com outros dados permanentemente.
Época – O Big Data pode elevar o nível do debate da discussão pública, ao tirar da frente falsos dilemas?
Glaeser – Pode. Uma discussão informada é sempre melhor que uma discussão desinformada. Mas não basta. Há sempre dois lados na discussão. Os dados não trazem a resposta sozinhos. Mudanças na qualidade dos governos requerem qualidade de liderança, não apenas qualidade de dados. Idealmente, ao divulgar dados, você encoraja mais pessoas a aperfeiçoar a gestão. Ganha mais informações para orientar o serviço público. É parte da solução, mas nada supera um líder forte e um eleitorado diligente. O Big Data não elimina a necessidade do elemento humano. Ao contrário. Os aplicativos dão poder ao morador das cidades, ao facilitar sua participação.
Fonte: Marcelo Moura. Revista “Época”, 30/06/2017
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