A discussão sobre as penas que estão sendo atribuídas aos réus condenados no processo do mensalão está fora de foco no entender de muitos especialistas e, sobretudo, do relator do processo, Joaquim Barbosa, que hoje preside interinamente os trabalhos e amanhã assume oficialmente a presidência do STF. Barbosa prefere discutir os crimes.
Se depender dele, as penas já dadas aos réus não serão alteradas até o fim do julgamento, e essa promete ser uma das disputas mais acirradas na Corte, pois já há intenção de Marco Aurélio Mello de defender que alguns crimes de Marcos Valério sejam tratados como de “continuidade delitiva”, o que diminuiria sua pena, que hoje já passa de 40 anos. Até o momento, ele foi condenado por cinco crimes em “concurso material”, o que significa que cada um deles recebe pena separada, que depois são somadas. Na “continuidade delitiva” há apenas um crime que recebe penas adicionais.
A discussão é se os crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, por exemplo, não seriam um crime só, assim como corrupção ativa e peculato. Quando o assunto surgiu no julgamento, houve um desentendimento entre o relator e o revisor, e ficaram claros ali o que pensava Barbosa e qual a direção que ele tomava na formação das penas.
Ele se revoltara com a pena mínima dada a um réu, sofismando que ele não passaria nem seis meses na cadeia. Foi preciso que o revisor Lewandowski o lembrasse de que as penas são somadas para que ele explicitasse seu ponto, queixando-se de que “há anos generalizou-se um hábito de impor os castigos nos limites mínimos. Entretanto, pena-base não é sinônimo de pena mínima. Com a indiscriminada imposição das penas mínimas, vêm se tratando de modo igual situações distintas”.
Quando foi lembrado de que a condenação de Marcos Valério chegaria a 40 anos, ele reagiu prontamente: “Se existe réu condenado a 40 anos, é porque ele cometeu oito, nove crimes graves”. Aí está a diferença fundamental entre o novo presidente do Supremo e alguns dos ministros. Barbosa não se espanta com as penas a que chegaram e prefere discutir primeiro os crimes cometidos.
O processo do mensalão começou a ser investigado primeiro na CPI do Congresso e mais adiante pelo Ministério Público Federal. Foram cinco anos entre a aceitação da denúncia e o julgamento, e sete anos desde que o escândalo eclodiu. Não é à toa que o processo tem mais de 50 mil páginas, que reproduzem o depoimento de 600 testemunhas ouvidas em 42 cidades e até no exterior. Toda essa investigação culminou na certeza de uma maioria esmagadora do plenário de que, sim, houve desvio do dinheiro público, compra de votos de parlamentares, envolvimento de bancos.
Diante da abundância de provas e da gravidade dos fatos, Barbosa mostra-se espantado quando querem discutir o tamanho das penas. Com relação ao ex-ministro José Dirceu, por exemplo, considera que a gravidade dos crimes praticados ficou provada ser muito maior do que aparentava, o que exigiria, na sua opinião, punições mais rigorosas do que as mínimas previstas pela lei. Para ele, “a aplicação da pena mínima só estaria autorizada se o crime, concretamente praticado, tivesse produzido uma lesão mínima ao ordenamento jurídico”, o que não é o caso.
Mas, mesmo pensando assim, o relator não acompanhou o pedido do procurador-geral da República para que Dirceu fosse condenado por “concurso material”, o que poderia lhe dar pena próxima a 20 anos de cadeia. Barbosa considerou que os nove crimes de corrupção ativa representaram uma “continuidade delitiva”, e a pena máxima nesse caso era de 12 anos. Dirceu foi condenado a sete anos e 11 meses, o que não implica regime fechado (com penas abaixo de oito anos, o regime é semiaberto). O restante da pena deveu-se à condenação por formação de quadrilha. Como foi condenado nesse item por 6 a 4, a defesa de Dirceu poderá recorrer através de embargos infringentes, tentando reverter a pena.
Dos seis ministros que o condenaram, Ayres Britto estará fora da análise do recurso, e mais dois novos ministros estarão no STF: Teori Zavascki e um outro a ser nomeado, o que indica que a pena pode ser revertida em tese, embora o histórico do Supremo não seja favorável à aceitação dos embargos infringentes.
Fonte: O Globo, 21/11/2012
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