O rei está nu. O dólar não pode mais ser a moeda universal. A rainha também está despida. A política cambial da China é insustentável. Essa é a posição brasileira em Seul, na reunião do G20, o encontro de líderes das 20 maiores economias do mundo. Temos bons argumentos, pois o tsunami de liquidez dos americanos e a manipulação cambial dos chineses nos atingem em cheio. O declínio do dólar resulta, parcialmente, de uma importante mudança nos fundamentos da economia global.
É um reflexo da queda da importância econômica dos Estados Unidos. A participação relativa do comércio americano encolheu para um quarto dos fluxos de comércio internacional, embora o dólar continue sendo a moeda usada em mais de três quartos das transações. O papel do dólar tornou-se desproporcional à importância da economia americana.
Mas o principal fator para o descredenciamento do dólar é a própria atuação do Federal Reserve (Fed), o banco central americano. É compreensível o recurso a políticas monetárias expansionistas como tentativa de estimular artificialmente o ritmo de crescimento econômico. O problema americano é que essas políticas foram usadas em excesso, causando uma verdadeira inundação de dólares em todo o planeta. “Talvez os Estados Unidos não tenham mais condições de ser o país com a moeda de reserva universal”, diz o ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega.
O Brasil lançava então o alerta de uma iminente “guerra cambial”, a nova dimensão de uma Guerra Fria há muito deflagrada pelos asiáticos – a “guerra mundial por empregos”. A advertência veio em bom momento, pois o Fed acaba de anunciar que deixará abertas as comportas de liquidez. A enxurrada de dólares vai continuar. Em resposta, os chineses ameaçam erguer uma “muralha de fogo” para isolar a produção e o emprego locais da incessante desvalorização do dólar.
Os conflitos tornam-se explícitos. A linguagem, mais belicosa. O principal arquiteto da crise atual, o Maestro, o ex-presidente do Fed Alan Greenspan, diz o seguinte sobre o caos que ajudou a criar: “Os Estados Unidos estão usando uma política de enfraquecimento de sua moeda, enquanto a China continua segurando artificialmente o iuane, o que eleva o risco de uma onda de protecionismo”.
Estamos perdendo a guerra dos empregos porque disparamos contra os nossos empreendedores.
É formidável como o ser humano sempre sabe o que os outros devem fazer. “A China ainda não assumiu as responsabilidades e obrigações exigidas por seu status atingido na economia mundial”, diz Greenspan, o maior dos alquimistas. “Os Estados Unidos devem se dar conta de suas responsabilidades e obrigações como país emissor da moeda usada como reserva internacional e adotar políticas macroeconômicas responsáveis”, afirma o ministro chinês Ju Guangiao, apresentando a posição chinesa na cúpula do G20. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, destacou “a necessidade de países superavitários, como China e Alemanha, aumentarem sua demanda doméstica, em vez de depender das exportações”. Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças alemão, rebateu: “Os americanos acusam os chineses de manipular a moeda, mas, com ajuda das máquinas impressoras do Fed, baixam artificialmente o valor do dólar”.
E o Brasil disparou contra todos sua metralhadora giratória, confirmando a sabedoria popular de que em casa em que falta pão todos brigam e ninguém tem razão. Mas atiramos no próprio pé quando seguimos no plano de estabilização mais longo da história da humanidade, com mais de uma década da explosiva mistura de aperto monetário e expansionismo fiscal. Com os juros na estratosfera e o afundamento do câmbio, somos a vanguarda dos financistas e o inferno dos empreendedores. Estamos perdendo a “guerra mundial por empregos” em incrível episódio de “fogo amigo”, quando disparamos sem cessar contra nossa própria base produtiva. Empresários e trabalhadores são atingidos por excessivos encargos sociais e trabalhistas, impostos elevados, dólar barato, juros altos e muita burocracia.
Publicado na Revista “Época”
No Comment! Be the first one.