A educação previdenciária é um elemento importante para o bem-estar da fração da população com um nível de renda maior que o do teto do INSS, atualmente de R$ 6.101. A questão justifica a insistência no tratamento do tema da previdência, objeto, com este, de sete dos 12 artigos que escrevi para o Estadão desde que me tornei seu articulista regular há um ano.
Entendo que o papel que um economista tem ao escrever neste espaço é o de compartilhar suas experiências para colaborar no entendimento das grandes questões – mas é também o de tentar ajudar os leitores a que eles mesmos tenham condições de se preparar melhor para enfrentar o dia a dia de um país complicado como o nosso. E, ao mesmo tempo, o desafio é fazer isso sabendo se comunicar em linguagem simples, sem as complicações de um artigo econômico.
Durante 20 anos, entre 1974 e o Plano Real, de 1994, o Brasil viveu a aberração da alta inflação. Pergunte-se a um suíço se ele acha normal viver com uma inflação de 40% ou 50% ao ano e ele julgará essa uma pergunta de doido – e, lembremos, nossa inflação em 1993 foi de mais de 32%… ao mês!
Ainda que com altos e baixos e uma inflação que só agora parece aproximar-se da dos países com a economia estabilizada, é evidente que a trajetória dos preços no Brasil mudou em 1994. O fato, porém, é que o País substituiu uma anomalia por outra.Embora cada decisão acerca dos juros tenha tido a sua justificativa nas condições da época, salta aos olhos que uma taxa de juros real Selic (deflator: IPCA) média de 9% no conjunto dos 24 anos 1995-2018 reflete uma patologia nacional. Torçamos para que os juros baixos dos últimos meses prenunciem uma nova era.
Nesse contexto, o País acostumou-se a vários vícios. Um deles foi o do baixo nível de contribuição que os fundos de pensão cobram dos participantes com vista à sua aposentadoria futura. Nos países desenvolvidos, em geral, esses fundos são um componente importante da riqueza nacional e fonte relevante do funding de muitos projetos de investimento. No Brasil, eles ocupam uma posição intermediária no ranking internacional de participação relativa na economia. Não temos os níveis de capitalização que se observam nos Estados Unidos ou em alguns países da Europa, mas estamos na frente da maioria das economias emergentes no que se refere à relação entre o capital dos fundos de pensão e o produto interno bruto (PIB). Daí a importância de que sua evolução seja acompanhada com cuidado.
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Os exemplos a serem explicados realçam a relevância da taxa de juros. Eles foram construídos supondo ausência de capital inicial, de inflação, de taxa de administração e tributação e arredondando os valores para inteiros. Eles servem para mostrar a dimensão do vício que o País adquiriu por conta de décadas de juros elevados. Imaginemos um caso simples, de um cidadão que comece a contribuir para um fundo de pensão aos 40 anos de idade, aposentando-se aos 60 e fazendo saques a partir de então até os 80 anos, numa situação de juros nulos. A conta é trivial, nesse caso, pois sendo o período de contribuição (20 anos) igual ao de saques, o valor da renda complementar é o mesmo que o da contribuição. Se a renda mensal almejada for de R$ 1.000, essa terá de ser a contribuição mensal. Entretanto, se a taxa de juros real anual for de 6%, a contribuição cairá para apenas R$ 312. Se depois a taxa real anual cair para um nível entre 2% e 4% reais, a contribuição mensal terá de aumentar para algo entre R$ 456 e R$ 673.
A exigência contributiva guarda relação direta com a extensão do período de saque e inversa com o período contributivo e com os juros. Num caso plausível, alguém que pretende ter uma renda complementar de R$ 1.000 a partir de mais tarde, aos 65 anos, tendo começado a contribuir também aos 40 e com a pretensão de fazer saques durante 20 anos, precisa ter a disciplina de contribuir mensalmente com R$ 209 (menor que a do caso acima explicado) quando a taxa de juros real anual é de 6%. Porém a contribuição aumenta para R$ 326 (56% superior) se os juros caem para 4%.
Os números nos remetem ao que aconteceu com os juros de longo prazo. Há 15 anos, em 2005, a taxa média real das NTN-Bs de 30 anos era de 9%. Atualmente, ela tem se situado em torno de 3,5%, aproximadamente. Assim sendo, de duas, uma, então: 1) mantidas as mesmas contribuições, os futuros aposentados terão uma renda complementar menor; ou 2) para conservar a renda almejada as contribuições terão de aumentar.
A experiência indica que, da mesma forma que os governos têm dificuldades de conseguir que a população apoie mudanças nas condições de aposentadoria, os gestores de fundos previdenciários não gostam de explicar aos participantes que com juros menores terão de contribuir mais para obter a mesma renda futura. O fato, porém, é que o mundo da taxa de desconto de 6% morreu – e o País terá de se curvar a isso.
Infelizmente, não há mágica no mundo rígido da matemática financeira.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 5/2/2020