O Departamento de Comércio informou, na última quarta-feira, que os EUA registraram, no ano passado, um déficit comercial de US $ 891,2 bilhões em mercadorias, o maior déficit dos 243 anos de história do país, malgrado mais de dois anos de políticas protecionistas do presidente Trump. O resultado amplo, que inclui o setor de serviços, no qual os EUA são superavitários, mostrou um déficit de US $ 621 bilhões – US $ 100 bilhões acima do que Trump herdou de Barack Obama, em 2016.
Esses resultados são um claro sinal de que as leis da economia ainda se aplicam, e que as promessas trumpistas de incrementar o crescimento econômico e, ao mesmo tempo, reduzir o déficit comercial, são incompatíveis, como os bons economistas previram. Também demonstram que não existe qualquer relação de causalidade entre aumento dos déficits comerciais e aumento do desemprego doméstico no agregado.
Ao cortar impostos para empresas e diminuir as regulamentações, Trump deu à economia “uma boa dose de energéticos” – e ela respondeu de forma positiva, com crescimento robusto (pelo menos para um país desenvolvido), redução do desemprego e aumento de salários. (veja gráfico abaixo)
Ao contrário do que Trump gostaria, entretanto, à medida que os salários cresciam, os americanos passaram a gastar mais com produtos fabricados no exterior. Além disso, à medida que a economia dos EUA avançava frente aos demais países desenvolvidos, o dólar se valorizava, tornando as exportações mais caras e as importações mais baratas. Um bálsamo para investidores e consumidores, que só protecionistas e mercantilistas lamentam.
Os dados divulgados na quarta-feira demonstraram, de maneira inequívoca, que a estratégia comercial de Trump não funcionou, ao contrário das políticas de corte de impostos e desregulamentação, que continuam produzindo bons efeitos, apesar o aumento dos gastos do governo.
As tarifas se tornaram parte fundamental da estratégia de Trump para combater o moinho de vento do déficit comercial. Ele usou e abusou delas – em painéis solares, máquinas de lavar, aço, alumínio e diversos outros produtos. Tudo inútil. Mesmo com a China, que foi o parceiro (inimigo?) mais duramente atingido pelas tarifas, o déficit comercial atingiu o recorde de US $ 419 bilhões no ano passado.
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Como o gráfico acima mostra claramente, há uma correlação inversa muito clara e significativa ao longo do tempo entre os déficits comerciais (linha azul) e as taxas de desemprego (linha preta). O coeficiente de correlação entre as duas variáveis, segundo o economista Mark Perry, é de 0,76, entre janeiro de 2002 e dezembro de 2018.
Se, como ensina a boa teoria, as correlações não indicam necessariamente uma relação de causalidade entre duas variáveis, uma correlação inversa como a mostrada no gráfico demonstra claramente que não existe relação de causa e efeito entre o aumento dos déficits comerciais e o aumento das taxas de desemprego. Uma eventual relação de causalidade entre o aumento dos déficits comerciais e a redução do desemprego poderia até valer um estudo, já que a contrapartida dos déficits no balanço de pagamentos do país são os investimentos estrangeiros, que são geradores de empregos. Mas isso eu deixo para os econometristas interessados.
O mais provável é que o comportamento recente de ambas as variáveis – déficit comercial maior e redução do desemprego – sejam subprodutos benignos de uma economia americana em crescimento contínuo há mais de 10 anos. As políticas do lado da oferta (Supply Side) de Trump (redução de impostos e desregulamentações) deram à economia ainda mais fôlego, com efeitos benignos tanto no comércio com o exterior quanto na redução dos índices de desemprego.
Como também mostra o gráfico, talvez a melhor chance de o déficit comercial encolher seria uma recessão econômica, mas isso ninguém quer, muito menos Trump. Em 2009, por exemplo, em meio à Grande Recessão, o déficit comercial caiu 40% em relação ao pico de três anos antes, para cerca de US $ 400 bilhões. No mesmo período, entretanto, o desemprego subiu para 11%.
Resumo da ópera: A melhor maneira de responder a um déficit comercial, principalmente em economias sem problemas de reserva de moeda estrangeira, é ignorá-lo.
Como ensina Dan Griswold em artigo recente para o Cato Institute, “os Estados Unidos vêm colhendo os benefícios do comércio mais livre por mais de 70 anos. Para milhões de famílias americanas, as barreiras comerciais mais baixas nos Estados Unidos proporcionaram preços reduzidos, maior variedade e melhor qualidade nos bens e serviços. Por causa da crescente concorrência do comércio internacional, os americanos podem comprar calçados, roupas, eletrônicos, utensílios domésticos e alimentos mais acessíveis, incluindo frutas frescas no inverno. Preços mais baixos são especialmente importantes para os americanos de baixa renda, que gastam uma parcela maior de seu orçamento em bens de consumo. Para milhões de trabalhadores, preços baixos se traduzem em salários reais mais altos.
Mas os produtores dos EUA também se beneficiam como importadores. Metade das importações anuais dos EUA é direcionada à produção – matérias-primas, suprimentos industriais, maquinário de capital. Os produtores dos EUA dependem cada vez mais do acesso a insumos a preços accessíveis para se manterem competitivos.”