A economia mundial ensaiou em 2009 uma bem-sucedida tentativa de recuperação. Estavam praticamente todos os países com o pé no acelerador. Era um esforço desesperado de deixar para trás o fantasma da Grande Depressão, que se desenhava pelo colapso das Bolsas, dos fluxos de crédito e do comércio internacional. Mas chegamos ao meio de 2010 em situação bastante diferente. Os países se dividiram em dois grupos com atribulações bem distintas.
As preocupações das economias emergentes são o superaquecimento da demanda e o retorno da inflação. Por isso, as taxas de juros de curto prazo estão subindo, como resultado de uma política monetária restritiva de seus bancos centrais. O acelerado ritmo de crescimento em resposta às políticas expansionistas adotadas em 2008 e 2009 coloca agora em risco a estabilidade das expectativas inflacionárias. Com esse pano de fundo, as taxas de juros estabelecidas pelo Banco Central do Brasil voltaram a atingir o patamar de 2 dígitos na semana passada.
O pesadelo nas economias avançadas é exatamente inverso. Teme-se o enfraquecimento da demanda e o consequente esfriamento do processo de recuperação da produção e do emprego. Começam a circular os prognósticos de uma temível “double dip recession”, um segundo mergulho da economia mundial nas profundezas de uma Grande Recessão. Os sintomas são a volta da turbulência nas Bolsas, a maior volatilidade nos mercados de moedas e, principalmente, o desabamento das taxas de juros de longo prazo.
Essa queda dos juros de longo prazo nos países avançados revela uma percepção de esfriamento generalizado de demanda. Trata-se de um sinal perturbador das expectativas de uma forte desaceleração econômica, indicando a persistência dos efeitos desastrosos de excessos cometidos tanto por financistas anglo-saxões como por social-democratas europeus.
Os americanos insistem em inflar os preços dos ativos, em vez de reconhecer as perdas da última década
Afirmei há algum tempo nesta coluna que o Antônio Conselheiro de Os sertões se revelaria um profeta da atualidade com sua clássica advertência “o sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão”. Os emergentes, quem diria, são agora moderados e responsáveis. Evitando crises do passado, China, Brasil e Índia esfriam suas economias, para desespero dos países avançados. Enquanto isso, as nações desenvolvidas, após a exposição de seus abusos nos orçamentos públicos (europeus) e excessos financeiros e creditícios (anglo-saxões), têm de se submeter à disciplina que sempre exigiram dos emergentes.
Não termina aí o drama dos países avançados. Os europeus, pelo exemplo dos alemães e pela camisa de força da moeda única, caminham em direção a programas de austeridade. Enquanto isso, americanos e ingleses insistem na prática da Grande Pedalada, que os americanos vêm praticando desde a queda da Bolsa de 2000 e 2001, com o estouro da bolha da internet. Uma década, portanto, de fuga para o futuro, com uma política de dinheiro fácil para evitar o reconhecimento das perdas trazidas por excessos. Uma década de bolhas em série: especulação em novas tecnologias, especulação imobiliária, especulação em derivativos à base de hipotecas, até a produção de uma bolha acionária e creditícia global que estourou em 2008 e 2009.
Os americanos insistem em inflar os preços dos ativos, em vez de reconhecer as perdas ocorridas. Prosseguem socializando os prejuízos privados, transferindo riscos e endividamento para o setor público, de modo a hipotecar o futuro de seus contribuintes. Os europeus e os emergentes não parecem dispostos a acompanhar os americanos nessa jornada. “Só a Grande Pedalada pode salvar o mundo em curto prazo”, clamam os americanos. “Mas o crescimento sustentável por longo prazo exige inflação baixa e finanças públicas em ordem”, respondem europeus e emergentes. “No longo prazo estaremos mortos”, replicam americanos à sombra de Keynes. Pragmáticos ou irresponsáveis?
Fonte: Revista “Época” – 11/06/10
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