A divulgação, nesta semana, do Relatório “Education at a Glance” de 2017, da OCDE, suscita a oportunidade para uma breve reflexão sobre o ensino superior no Brasil. A metodologia usada no relatório é bastante robusta, mas não é possível fazer comparações rigorosas, pois os critérios podem mudar a cada ano. De qualquer forma, para quem acompanha o setor, não há novidades. Importa focar os problemas crônicos, que continuam representando enormes desafios.
O primeiro deles é entender a missão do ensino superior. No Brasil, ele é principalmente um instrumento de formação profissional. O modelo possivelmente foi adequado para a primeira metade do século XX, mas já não corresponde ao avanço das economias e tecnologias.
A tendência, nos países mais avançados, é dividir o ensino superior em duas partes. A primeira é de formação geral, onde as pessoas aprendem a pensar com profundidade. Quanto mais rigorosos, mais “generalistas” e menos aplicados, mais importantes se tornam esses cursos em uma sociedade em que não sabemos como serão os empregos do futuro. Cabe registar que uma pequena parcela do ensino superior, em países desenvolvidos, está voltada para a formação de tecnólogos, em cursos de curta duração. Na segunda parte do ensino superior é que os alunos buscam uma profissionalização de nível mais alto ou se preparam para iniciar uma carreira acadêmica.
No Brasil, como as profissões são hiper-regulamentadas, os currículos ficam “amarrados”, com uma infinidade de disciplinas e cursos obrigatórios. Ou seja, privilegia-se a quantidade em detrimento da qualidade. Nesse item, estamos na contramão dos países mais avançados.
O segundo desafio é o da qualidade. Na maioria dos países desenvolvidos, cerca de 30% dos concluintes do Ensino Médio ingressam em algum curso superior, e isso tem aumentado nas últimas décadas. Em pouquíssimos países, como os Estados Unidos, esse número é superior a 50%. Na maioria dos países europeus, o acesso ao ensino superior ainda é bastante restrito e seletivo, e as instituições — quase sempre só públicas — geralmente mantêm padrões bastante similares entre si.
No Brasil, temos diferentes realidades — algumas universidades e cursos são seletivos, mas a grande maioria não é. De acordo com os dados do Pisa, menos de 10% dos alunos brasileiros teriam condições de acesso a um curso superior em países europeus e muito menos de 1% teria condições de concorrer às universidades norte-americanas de elite. Os dados do Enem também confirmam essa situação. Ou seja, o desafio da qualidade do ensino superior só começará a ser resolvido quando o país produzir egressos do ensino médio com um nível de aprendizagem adequado.
O terceiro desafio é institucional. O marco legal do ensino superior no Brasil é baseado na ideia de uma “Universidade de Ensino, Pesquisa e Extensão”, modelo inicialmente implementado na Alemanha no século XIX. Nem todas as instituições de ensino superior realizam essas três atividades, o que cria um extraordinário custo para que se cumpra o modelo — ou se burle a legislação. O sistema de gestão das universidades públicas não oferece estímulos para que sejam eficientes. A gestão das instituições privadas é sujeita a um emaranhado regulatório de altíssimo custo e que em nada contribui para aumentar a competição, reduzir custos ou melhorar a qualidade. Temos enormes barreira de entrada para professores estrangeiros, reduzindo a pressão sobre os nossos. E oferecemos pouquíssimos atrativos para bons alunos de graduação de outros países.
Em síntese, o Brasil tem desafios gigantescos para acertar o seu ensino superior. Há ilhas de excelência aqui e ali — mas são ilhas nas quais as instituições, professores e pesquisadores pagam um preço alto para não sucumbir à mediocridade generalizada. O progresso de uma nação depende em grande parte da quantidade e da qualidade de suas elites, e isso está diretamente relacionado à qualidade do ensino superior.
Fonte: “Veja”, 15/09/2017.
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