O que o eleitor leva mais em consideração na hora de votar: benefícios sociais e econômicos proporcionados por governos ou a trajetória de vida dos candidatos? Essa é a mais instigante questão no fórum de análises que se abre na presente quadra político-eleitoral. A interrogação acirra a polêmica que, a esta altura, se espraia por alas simpatizantes de candidatos, tendo como cerne os principais atores do pleito presidencial de outubro: José Serra, com densa experiência política e administrativa nas esferas federal, estadual e municipal; Dilma Rousseff, cuja identidade ganhou força na era Lula, mas sem nunca ter obtido um voto; e Marina Silva, com trajeto no Executivo e no Legislativo, encarnando a simbologia em defesa do meio ambiente. A última pesquisa Sensus traz uma pista para desvendar a dúvida, com as alternativas apresentadas aos eleitores: na hora de votar, 44% levarão em conta benefícios econômicos e sociais concedidos no governo Lula, enquanto 35% se deterão sobre o currículo dos candidatos.
A pequena diferença entre as porcentagens denota que os dois fatores serão fundamentais. A primeira leitura é a de que o eleitor tende a escolher ora degustando o menu econômico posto na mesa social, ora avaliando capacidades dos candidatos. Há, porém, uma teia que sugere bifurcações na tomada de decisão do eleitor. Os simpatizantes do fator econômico não votarão necessariamente na candidata situacionista, como se poderia aduzir, e parcela dos conjuntos que apontam como fator mais importante atributos do candidato poderá recusar o sufrágio no candidato oposicionista. Aliás, a pesquisa Sensus confirma a hipótese ao mostrar que 46% dos assistidos com o Bolsa-Família e o Primeiro Emprego (programas do governo) pretendem votar em Dilma e 33%, em Serra. As opções contidas na questão mexem com outros componentes do processo decisório, como condições do votante, geografia eleitoral, patronos e clima ambiental. Essas variáveis favorecem o voto à moda Frankenstein, mistura de uns com outros. Em muitos Estados, a esta altura, já se serve salada mista. Além disso, cada pleito tem seu caráter, uma identidade que o difere de outros. Não é razoável comparar o pleito deste ano com o de 2002. Naquele tempo, Fernando Henrique Cardoso tinha baixa avaliação. A cota de votos do Plano Real fora esgotada. Já as eleições deste ano, mesmo tirando Lula do cartaz, não afetam seu prestígio.
O prato econômico será o mais disputado na mesa eleitoral. Numa escala até 100, é razoável supor que lidere a medição com cerca de 40%. O empuxo gerado pela economia tem que ver com o instinto de sobrevivência do indivíduo. Para efeitos eleitorais, ele se apresenta na forma de vantagens econômicas e satisfações materiais, superação de dificuldades, ascensão de pessoas na escada social, conforto, harmonia doméstica e bem-estar geral. O voto que sai dessa equação recebe um selo de origem. É provável que habitantes do andar de baixo sejam mais generosos com perfis ligados aos benefícios econômicos, enquanto habitantes dos andares de cima, mais exigentes, podem puxar o voto do bolso para a cabeça. E esse voto consciente se expande pelos estratos médios das metrópoles e dos polos mais desenvolvidos. Distingue-se, portanto, a escolha racional da opção emotiva, sendo esta última comum no Nordeste. Aí, outro condicionante se soma à força do fator econômico: os senhores da política.
É bom lembrar que o voto, mesmo se afastando do grilhão dos caciques, ainda é influenciado por ele. Grandes bolsões eleitorais seguem o cabresto curto de chefões. Outro grupo frequenta a fila dos donos de fatias na administração pública, enquanto parcela ponderável, no pleito deste ano, seguirá o comando do mestre Lula. Essa parcela de votação colada ao mando é de aproximadamente 30% do eleitorado. Nessa área, o poder se reparte entre situação e oposição. E é nessa divisão que emerge a influência do maior senhor da política hoje, o cabo eleitoral Luiz Inácio. Desempenhará, seguramente, papel importante. Basta anotar a atual intenção de voto em Dilma, que vem por atração do ímã presidencial.
Definido o poderio exógeno, resta aos candidatos a força endógena, simbolizada por seu currículo. Na escala de pontuação, as qualidades individuais somam algo como 30%. Mas o acervo pessoal não terá força, quando considerado isoladamente, fora do contexto que o cerca. Daí por que os candidatos precisam inscrever seus relatos no livro de compromissos para o Brasil. Currículo espetacular precisa ser acompanhado de escopos interessantes. Da mesma forma, boas ideias só convencem quando a fonte é crível. Portanto, a química de resultados parte da relação intrínseca entre os elementos da composição. O que e como dizer uma proposta? Tecnicismo demais ou simplicidade de menos podem zerar o jogo. Arrumar uma semântica capaz de entrar na cachola do eleitor, sem se tornar demagogia, é um exercício que pode ser testado no intervalo que o País concederá aos candidatos por ocasião da Copa. Grande porção de ideias se perde. Pesquisas europeias mostram que apenas 7% do impacto do discurso depende do conteúdo, enquanto as comunicações não verbais são responsáveis por 93% da eficácia. Destas, 55% provêm de expressões faciais e 38%, de elementos paralinguísticos – voz, entonação, gestos e postura. Não por acaso, os candidatos começam a caprichar no aspecto visual.
Portanto, há desafios de monta a serem enfrentados pelos três principais atores. Dilma precisa demonstrar que, sem histórico eleitoral, tem competência para governar o Brasil. Serra deve convencer de que é o melhor para substituir Lula. Marina tem de sair da redoma ambiental e frequentar o fórum nacional de questões. A tentativa de cada um passará pelo túnel onde se encontram os três faróis que orientarão o voto: economia, patrocinadores e qualidades pessoais.
Da solução desta equação sairá o vencedor.
(“O Estado de S. Paulo” – 23/05/2010)
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