O professor Chen Changshen, do Instituto de Filosofia da Academia de Ciências Sociais de Xangai, fez no seminário promovido em conjunto com a Academia da Latinidade uma análise muito aguda da situação atual da China, partindo da constatação de que a globalização é a principal tendência e a ideologia dominante em nosso tempo.
O governo chinês respondeu a ela com reformas e uma política de abertura, e em consequência disso nos últimos 30 anos a economia chinesa foi se transformando, lenta, mas irrevogavelmente, de planejada centralmente em uma economia de confiança no mercado.
Como responsável pelo bem-estar de 1/5 da população da Terra, os desafios e oportunidades da globalização têm sido tema de muita reflexão nos últimos anos na China, gerando um otimismo cauteloso.
Otimismo porque a globalização é uma oportunidade para a China, mas ao mesmo tempo a cautela está presente por que é sabido que a globalização traz desafios nunca vistos, e crises que podem ser fatais.
Reformas e abertura, necessárias para aproveitar a globalização, podem trazer para a China, porém, subversões internas. Com uma sociedade fechada em si mesma durante séculos, a cultura da inércia pode provocar uma espécie de “instinto básico” de rejeição à onda de globalização que vem do Ocidente.
Na análise do professor, o governo chinês está fazendo um esforço significativo para superar esse “instinto cultural”, já que é predominante a ideia que é melhor tomar a iniciativa de mudar conceitos para participar da globalização do que, por receio, deliberadamente evitá-la. Chen Changshen admite que para muitos ocidentais os chineses são imprevisíveis, e o socialismo de características chinesas nem sempre é compreendido. Não existe uma única resposta para essas dúvidas, ele ressalta, e a política oficial é avançar com o tempo, sem questões pré-definidas.
Por isso, os “especialistas” em China têm previsões tão discrepantes em relação ao futuro do país. Enquanto uns consideram que o século XXI será da China, que desafiará o poder dos Estados Unidos em algumas áreas, há os pessimistas que acham que a China entrará em colapso dentro de pouco tempo.
Para o professor Chen Changshen, ambos estão errados. Ele considera inevitável que existam conflitos entre os chineses e a sociedade ocidental, e admite que, para a China, integrar-se à comunidade internacional é um problema angustiante, às vezes beirando o vexatório.
Ele considera que a maior dificuldade está em que as culturas chinesa e ocidental não seguem as mesmas regras. Mesmo os chineses dispostos a seguir regras internacionais, se elas ameaçam seus compatriotas, as abandonarão e voltarão às regras tradicionais.
E quais são essas regras? A família tem um papel todo especial na vida chinesa. Estado e casa têm, em chinês, um vínculo que os ideogramas revelam, levando à noção de país, o que significa que o país é uma expansão de sua casa.
Isso significa que o povo chinês dá muita importância às relações interpessoais em detrimento do individualismo, e também da ordem ou da moral públicas.
As relações pessoais e as leis da sociedade são diferentes formas de vida na China, as primeiras dando destaque às relações interpessoais ou intergrupos (família, clã), e as outras lidando com aspectos objetivos onde não interessa quem violou a lei ou quem será o juiz do caso.
Teoricamente, ética, lei, regras e regulamentações são questões objetivas e iguais para todos. Nas relações interpessoais, no entanto, vale mais o “quem fez”.
Como lidar com as situações depende exclusivamente das relações entre o agente e as partes interessadas. Chen Changshen dá um exemplo: Se eu vejo alguém roubando, normalmente estarei disposto a testemunhar contra ele, mas se o ladrão é meu irmão, provavelmente não testemunharei “para preservar a família”.
Talvez até pense que o que ele fez foi “objetivamente” errado, mas nesse caso pesará mais o princípio das relações pessoais.
Por isso o professor considera que a China precisa de tempo para reformar suas instituições e valores para se acomodar ao desenvolvimento da “aldeia global”, o que virá em seu próprio benefício.
Mas a comunidade internacional precisa também entender que é melhor para todos que se dê à China um pouco mais de tempo e de espaço para que ela possa mudar sem grandes conflitos.
Na análise do professor Changshen, a China hoje rivaliza em poder e influência com os Estados Unidos, sendo que o ambicioso plano de modernização militar a transformou em um poder formidável, genuíno competidor estratégico dos Estados Unidos.
Mas ao mesmo tempo, ambos os países são interdependentes, parceiros comerciais com laços econômicos cada vez mais estreitos.
Mas as profundas diferenças de seus sistemas políticos, valores e interesses nacionais fazem permanecer entre os dois desconfianças profundas: Beijing teme que os Estados Unidos tentem preventivamente constranger o crescimento da China, enquanto os Estados Unidos não estão certos de qual será a trajetória futura que a China escolherá.
Há, no entanto, interesses comuns que unem os dois países: segundo o professor, além de combater o terrorismo e as armas de destruição em massa, os dois têm interesse em manter o mundo crescendo e estável, e também dividem a mesma preocupação com a degradação ambiental e as mudanças climáticas.
É também interesse estratégico dos Estados Unidos ajudar a liberalização política na China. O professor Changshen tem uma visão bastante pragmática sobre a China: historicamente, seria uma sociedade que amadurece rápido e declina muito cedo.
Apesar do crescimento econômico das últimas três décadas, a moderna China não produz ciência e tecnologia, não fez uma revolução industrial, não aderiu à economia de mercado nem à democratização, o que a torna um país emergente que é “grande, mas não forte”.
O professor considera que mesmo que a China consiga manter o ritmo de crescimento que vem experimentando nos últimos anos – o que considera discutível -, dificilmente superará no curto e médio prazos seus problemas maiores como pobreza, injustiça social, declínio moral, segurança jurídica. Por isso, garantir que a China seja um país próspero dentro das regras internacionais é de interesse não apenas dos Estados Unidos, mas da própria “aldeia global”.
Fonte: O Globo, 23/05/2012
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