A julgar pelo que se lê na imprensa, estar ou não preocupado com a economia depende de o observador ser pessimista ou otimista. Para Marcelo Kfoury, o investidor estrangeiro já percebeu a mudança de rota na política econômica e está mais otimista com o Brasil; enquanto “os investidores locais são mais céticos”, talvez por “estar havendo interferência de debates movidos por paixões políticas” (Valor 5/3/2014). Já para Rogério Werneck, o problema é o oposto: para ele, há uma “demanda quase desesperada por otimismo que viceja no setor privado” (O Globo, 31/1/2014).
Nossa economia tem problemas sérios, que prejudicarão seu desempenho nos próximos anos? Ou se trata apenas de falhas de comunicação e “paixões políticas”, que não deixam alguns analistas enxergar que a política econômica já sofreu correções relevantes, como vê Bráulio Borges (Valor , 6/3/2014), e bastam alguns ajustes para colocar a economia nos eixos, como sugere Tony Volpon (Valor Investe, 11/2/2014)? Esse debate apenas começou.
Para torná-lo mais produtivo, cabe considerar os principais pontos de preocupação. Aqui vai a minha lista.
Há um risco razoável de apagão elétrico. Segundo o Operador Nacional do Sistema, as usinas do Sudeste/ Centro-Oeste, responsáveis por 70% da geração no país, devem fechar março com 37,9% da capacidade, contra 54,1% um ano antes. A situação é menos preocupante no Nordeste (44,5% contra 42,9%), mas também difícil no Sul (37,9% contra 62,4%) e no Norte (87,3% contra 94,2%). Assustador que isso ocorra depois de se passar 2013 operando com quase todas as térmicas ligadas.
Os especialistas alertam para esse gargalo crescente e apontam que o risco de apagão será ainda maior em 2015. Como vamos ficar se a indústria voltar a crescer e o PIB parar de patinar em 2%? A dinâmica da dívida pública voltou a preocupar. Nos 12 meses anos a inflação foi de 6% ao ano.
Mas a inflação que o Banco Central (BC) controla, a dos preços livres, foi mais alta, de 6,9%. No processo, se comprimiram preços importantes, como os da gasolina, do diesel, das tarifas de eletricidade e de ônibus.
Estará o BC disposto a subir a Selic e conter o crescimento para fazer frente a isso? A postura do BC sugere que isso não é certo. Basta ver que o atual ciclo de alta de juros chega ao fim, ou quase, com uma Selic que ainda deixará a inflação de 2015 acima da meta. O leitor não leu errado; eu disse 2015.
Confirmadas as projeções de mercado, na média do quadriênio 2011-14 a inflação de preços livres terá ficado em 6,8%, mesmo com o PIB crescendo 1,9% ao ano. Isso sugere que o potencial de crescimento do PIB caiu bastante. Um dos motivos é que o emprego não cresce mais como antes, nem deve voltar a fazê-lo.
Findos em janeiro, o superávit primário foi de 1,7% do PIB. O governo promete elevá-lo a 1,9% do PIB até dezembro, mas o analista mediano projeta 1,4% do PIB. Pessimismo? Pode ser, mas mesmo que o governo entregue o que prometeu, a dívida bruta vai aumentar, devido à crescente despesa com juros. Com a normalização da política monetária americana essa despesa vai crescer. A taxa de juros implícita da dívida líquida já está em 17,4% e vai subir.
Será que o governo vai elevar mais o superávit primário, inclusive para cobrir os gastos com a equalização de juros do Minha Casa Minha Vida e do Programa de Sustentação do Investimento, que não estão sendo pagos? Em 2013, as necessidades de financiamento externo do país bateram em 4,5% do PIB, o maior déficit na série atual das contas nacionais, iniciada em 1995. Eu acredito que esse hiato aumente este ano. A alta do déficit comercial no primeiro bimestre (US$ 6,2 bilhões, contra US$ 5,3 bilhões um ano antes) é um sinal nesse sentido.
No passado, déficits externos dessa ordem levaram a quedas fortes na demanda interna, com alta do desemprego e da inflação. Será diferente desta vez? Na média dos últimos quatro para produtos da área de gestão de fortunas – prática essa que alimenta a expansão artificial do crédito que se assemelha a um crescimento do M2. Nesse sentido, é a relutância das autoridades monetárias chinesas em abrir o setor financeiro formal ao capital privado nacional, ou de liberalizar a taxa de depósito, que está estimulando a expansão do setor bancário paralelo.
Com a incapacidade das empresas pequenas e médias – de longe o principal motor de crescimento da economia – de conseguir crédito suficiente do setor financeiro formal, elas foram obrigadas a recorrer aos canais informais. Pelo fato de o setor bancário paralelo ter se tornado a principal fonte de recursos para as pequenas e médias empresas – que tendem a ser tomadores de maior risco -, os riscos financeiros da economia chinesa cresceram exponencialmente.
O que ainda piora a situação é que os reiterados esforços do banco central chinês de enrijecer os meios de pagamento eleva o custo do capital. Em junho passado, a taxa de juros interbancária anualizada disparou para mais de 10% – nível que quase veio a igualar em dezembro. As pequenas e médias empresas são as que, em última instância, arcam com esses custos, o que diminui sua capacidade de contribuir para o A produtividade do trabalho também cresce pouco, mas há espaço para acelerar esse ritmo. Só que isso exige reformas que mexem com interesses estabelecidos e não há sinal de que o governo esteja disposto a fazê-las,nem que acredite nelas.
Eu acredito que o Brasil precisa realizar um ajuste duro, pouco palatável politicamente, entre outras coisas porque é um dos emergentes mais vulneráveis à normalização da política monetária americana. Em especial, o elevado déficit externo, a inflação alta e persistente, e a inflação represada dos preços administrados indicam que é necessário reduzir a demanda doméstica. A desvalorização cambial deveria ter iniciado esse processo, mas não o fez porque o quadro externo piorou e o próprio governo não deixou.
Isso posto, acredito que o país não está à beira de uma crise; as reformas necessárias para acertar o rumo estão ao nosso alcance.
Apenas temo que a situação tenha que piorar antes que elas sejam feitas.
Fonte: Valor Econômico, 7/3/2014
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