Estava mais do que claro que a Europa tomaria medidas capazes de evitar que a Grécia fosse a pique e arrastasse com ela a economia de todo o continente. Perdulário e irresponsável, o Estado grego foi premiado ontem com o direito de tungar 50% do que deve aos bancos.
Esses, por sua vez, receberão um reforço de caixa substancial. Numa visão simplista, a receita adotada pela Europa foi mais ou menos a seguinte: em lugar de entregar à Grécia uma bolada para ser imediatamente repassada aos bancos credores, os líderes europeus resolveram injetar dinheiro diretamente nos bancos e, com isso, dispensaram Atenas de pagar a conta integral.
É mais ou menos como um pai zeloso que, em lugar de entregar na mão do filho esbanjador o dinheiro que falta para quitar o carnê do carro novo, manda a bolada diretamente para a financeira. Talvez por temer que uma simples passagem pela conta do gastador possa significar o desvio de parte dos recursos.
No fundo, no fundo, o problema da Grécia e dos outros países europeus em dificuldade consiste na eterna mania dos governos de distribuir benefícios a torto e a direito sem se preocupar com a origem dos recursos.
A crise atual não é resultante apenas dos solavancos que o sistema financeiro internacional vem sofrendo desde 2008. Ela é fruto da imprevidência que leva os governos a gastar hoje o dinheiro que sonham arrecadar amanhã.
Agregados à comunidade europeia depois que os países mais desenvolvidos do continente já tinham alcançado um padrão de bem-estar social superavançado, governos de Grécia, Portugal e Espanha, para citar alguns exemplos, se viram estimulados a pisar no acelerador dos benefícios para que suas populações não ficassem para trás.
No tempo em que as finanças mundiais iam bem, ótimo. Bastou uma crise para que a fragilidade do modelo viesse à tona. E para que as ruas das principais cidades do continente se tornassem palco de manifestações de funcionários públicos receosos de perder direitos, que para as populações de países como o Brasil, não passam de um sonho distante.
O que pouca gente leva em conta é que o verdadeiro esforço da Europa não se destina a salvar a Grécia nem os países em dificuldades. A meta real é salvar os bancos. Se eles ruírem, haverá um estrago do qual o continente talvez leve décadas para se recuperar.
Por isso, os governos mais fortes fizeram mais ou menos o que fez o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quando, nos anos 1990, instituiu o Proer.
Tratava-se de um fundo que destinava recursos aos bancos com problemas para salvá-los da dificuldade provocada pela adaptação à economia estável. Na Europa atual, onde os bancos operam em diversos países, a quebra de um deles, motivada pelo calote seja de quem for, pode significar um baque e tanto.
Na Europa de hoje, comenta-se que a mais forte instituição do continente, o Deutsche Bank, é alemão apenas no nome. Tem um presidente suíço (Josef Ackermann), acionistas espalhados pelo mundo inteiro e seu principal centro de negócios é a City de Londres.
Um solavanco em instituições como essa e algumas outras casas tradicionais contaminaria negócios públicos e privados dentro e fora do continente europeu.
Fonte: Brasil Econômico, 28/10/2011
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