O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, em seu discurso de abertura do ano do Judiciário defendeu a responsabilidade da Corte com o ambiente econômico, afirmando: “Gerar confiança, previsibilidade e segurança jurídica: esse é o objetivo primordial do Poder Judiciário na atual quadra da história do país, em que se anseia pela retomada do crescimento econômico e do desenvolvimento social sustentável”.
O Judiciário com frequência mostra-se insensível à racionalidade econômica em suas decisões, beneficiando alguns em detrimento da sociedade. Um exemplo recente é que depois de quase 20 anos da promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal, o STF retomou no ano passado a análise de dispositivo (suspenso desde 2002) que permite que Estados e municípios reduzam temporariamente a jornada de trabalho e salário de servidores quando os gastos com pessoal ultrapassarem o teto previsto em lei, de 60% da Receita Corrente Líquida. A votação não foi concluída e será retomada em abril. O placar, porém, está em 6 a 4 (falta apenas 1 voto) para proibir um dispositivo essencial para o ajuste fiscal desses entes, diante do rápido envelhecimento populacional que pressiona a Previdência, em que pese a necessidade de evitar o sacrifício excessivo do funcionalismo.
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A Corte também se mostra particularmente sensível a pleitos de estados e municípios contra a União. Informações levantadas pelo Jota, com fontes do Executivo, mostram que o governo federal perde aproximadamente 95% dos casos no STF que envolvem disputas com esses entes. Porcentual tão elevado sugere viés nas decisões.
Vale destacar as liminares concedias ao longo de 2015/16 para reduzir o pagamento dos juros da dívida com a União, utilizando o cálculo por juros simples, e não composto (o que representaria um calote; se o Tesouro fizesse o mesmo, ninguém iria se interessar pelo Tesouro Direto). Posteriormente, o STF estabeleceu prazo para solução do impasse, o que culminou em mais um beneficio aos Estados que não fizeram seu dever de casa.
Pode-se argumentar que a crise econômica do País exigia algum acerto nas dívidas dos Estados, por conta da queda da arrecadação e do menor poder para emitir dívida pública. Isso não justifica, porém, as liminares. Premiase os entes perdulários e desincentiva a disciplina fiscal de todos.
Olhando para frente, o potencial de perdas do erário é elevado. Segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020, há 21 processos tributários no STF, com potencial impacto de R$ 1,1 trilhão.
Destaca-se a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, com custo estimado de R$ 229 bilhões. O tema é antigo e a demora no julgamento implica insegurança jurídica e maior número de disputas com contribuintes. Há quase 3 anos o STF decidiu que a inclusão é inconstitucional. O tema será retomado este ano para decidir sua retroatividade. A União pleiteia que aplicação seja a partir de janeiro de 2018.
Faz sentido não cobrar imposto sobre imposto, mas a questão é complexa. O efeito retroativo representaria um ganho indevido às empresas, uma vez que o custo tributário foi repassado aos consumidores, como ensina Bernard Appy. O pleito das empresas é, portanto, injusto, apesar de a elevada carga tributária pesar sobre os preços finais e, assim, poder prejudicar as vendas de seus produtos.
Mesmo que não haja impacto retroativo, será necessário compensar a perda de arrecadação envolvida. Melhor seria deixar esse tema para a futura reforma tributária.
O Judiciário precisa levar em consideração os impactos econômicos de suas sentenças de forma a preservar contratos, a responsabilidade fiscal e eficiência no uso dos recursos públicos. O compromisso com as várias regras que regem o orçamento público – regra do teto, regra de ouro, LRF – não deveria ser apenas do Executivo.
Agora é torcer para que o compromisso do ministro Toffoli não se revele palavras vazias, sendo, sim, um sinal de novos tempos.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 6/2/2020