Na semana passada, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, por unanimidade, trechos da reforma eleitoral de 2009 que impediam as emissoras de rádio e televisão de fazer trucagem, montagem ou sátiras com candidatos durante o período eleitoral. Esses dispositivos estavam suspensos liminarmente pelo plenário da Corte desde setembro de 2010. Para especialistas consultados pelo Estado, a medida é fundamental para o exercício e avanço da democracia, mas requer atenção na prática.
“Desde que não atinja a honra de alguém ou seja uma mentira, não há problema nenhum em fazer sátira. Dentro do contexto da liberdade de expressão seria um retrocesso impedir humor nas eleições”, explica o especialista em direito político e eleitoral Tony Chalita, sócio do Braga Nascimento e Zilio Advogados.
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Ele ressalta que além do cuidado com ofensas pessoais também é preciso ter atenção com a proliferação de notícias falsas que podem parecer verdade quando inseridas no contexto humorístico. “O humor pode disfarçar uma mentira e há uma linha bem tênue entre sátira e as fake news, que devem ser combatidas, especialmente no nosso contexto de polêmicas e polarização política”, diz.
O consenso entre os integrantes da Corte para a decisão em unanimidade é de que a lei que restringe a atividade humorística nos três meses que antecedem as eleições fere a liberdade de expressão e o direito à informação.
Para a presidente da Suprema Corte, Cármen Lúcia, o que se pretendeu na lei foi impedir a possibilidade de questionamentos ou contestações por meio do humor. “Aprendi que liberdade é expressão, o que não se pode expressar é carente de liberdade. Censura é a mordaça da liberdade, quem gosta de censura é ditador”, disse a ministra. “A crítica ácida mantém-nos alertas para as possibilidades de aperfeiçoamento.”
Já o ministro Celso de Mello afirmou durante a votação que o humor e o riso assumem relevante importância na democracia, porque constituem “papel de poderoso instrumento de reação popular”. Na quarta-feira, 27, o decano da Corte divulgou a íntegra de seu voto: “Nenhuma autoridade, mesmo a autoridade judiciária, pode prescrever o que será ortodoxo em política ou em outras questões que envolvam temas de natureza filosófica, ideológica ou confessional, nem estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrição aos meios de divulgação do pensamento.”
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Debate. Para a especialista em direito eleitoral e professora do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) de São Paulo Marilda Silveira, a permissão das sátiras auxilia o debate durante o período eleitoral. “Essa exposição faz parte do processo, da discussão de ideias, da formação de contraposição, dos questionamentos. Desde que sem mentiras ou ofensas, é mais um elemento que leva informação ao eleitor”, opina.
Lá fora. Tony Chalita avalia que o Brasil ainda tem um longo caminho até alcançar o mesmo nível de liberdade visto em um país como os Estados Unidos. “Não acho que o País esteja preparado para uma crítica absoluta como vemos no humor que é feito lá, onde há sátiras muito mais ácidas. Ainda estamos distantes disso”, diz.
A advogada Marilda Silveira explica que cada país pode ter sua própria legislação para o tema, mas que o debate está mais aquecido na Europa sob a influência das fake news. “França e Alemanha são exemplos de lugares que estão discutindo isso de maneira intensa pela preocupação com a disseminação de notícias falsas.”
Fonte: “O Estado de S. Paulo”