O presidente eleito da França, o socialista François Hollande, resumiu na frase “a austeridade não é uma fatalidade” sua bandeira de luta dentro da União Europeia, como se ainda estivesse disputando a eleição com Nicolas Sarkozy, o candidato preferido da líder alemã Angela Merkel.
Desde que foi negociado em fevereiro, o pacto de austeridade fiscal da União Europeia corre riscos, pois sua aprovação deveu-se mais ao receio de que a situação econômica degringolasse na ocasião do que do convencimento de que a austeridade era realmente um mal necessário.
O pacto fiscal para reduzir o endividamento público assinado por 25 países dos 27 que compõem a União Europeia foi aprovado em meio ao entendimento generalizado de que a cura final dos problemas europeus virá com crescimento e mais empregos, um reflexo da preocupação com a taxa altíssima de desemprego na região, especialmente entre os jovens.
A necessidade de um forte corte nos gastos – a tal “fatalidade” de que fala Hollande – é ponto pacífico entre os líderes, mas também há o consenso de que o aperto fiscal não ajudará os países da zona do euro a crescer.
Mesmo com todas as dificuldades, não há, ao contrário, consenso sobre a necessidade de reduzir o estado de bem-estar social europeu, mesmo nos países em que a social-democracia foi derrotada por conservadores, como na Espanha e em Portugal. O que dirá na França, em que o conservadorismo de Sarkozy, o principal aliado de Merkel na política de austeridade, foi substituído pelo socialismo de Hollande.
A ideia de que tudo pode continuar como está, com pequenos ajustes, é a que prevalece, inclusive porque as reformas do mercado de trabalho, ou ajustes no sistema de previdência, são temas politicamente delicados que provocam reações populares em todos os países em que são debatidos.
O caso da Grécia é exemplar dessa dificuldade de se aprovarem medidas austeras para superar a crise. Os partidos contrários às medidas de austeridade ficaram mais fortes na representação no Parlamento, colocando em posição secundária os defensores do pacto europeu.
Mas o que vai prevalecer é a fragmentação partidária, sem que seja possível montar um governo de coalizão com força suficiente para levar adiante o plano já aprovado com a União Europeia, contra o qual grande parte do eleitorado se manifestou nas eleições.
A saída da Grécia da União Europeia pode ter começado a acontecer no domingo, como prevê o economista Nouriel Roubini.
Mas o anseio de que a Europa continue sendo um exemplo de democracia, capaz de oferecer um modelo social alternativo, é o que faz com que a maioria dos líderes europeus persiga soluções que não coloquem em risco os avanços sociais alcançados, mesmo que a realidade indique a impossibilidade de isso acontecer sem reformas estruturais dolorosas.
Na realidade, a Alemanha é o único país que sustenta o acordo de austeridade fiscal, que passou a correr risco com a eleição do socialista François Hollande. Merkel apoiou abertamente a reeleição de Sarkozy porque sabia que seria difícil continuar na luta para reformas sem o apoio da França, mas Hollande também não poderá confrontar a chanceler alemã, pois precisará de apoios dentro da Europa, onde ainda não é um líder de muito prestígio pessoal.
Sua importância a partir de agora está em ser o presidente da quinta maior economia do mundo, mas seu peso político pessoal ainda é pequeno se comparado com o da própria Angela Merkel.
Ele pretende que sua vitória marque “um recomeço para a Europa, uma nova esperança para o mundo”, dando a ela uma dimensão épica com que dificilmente poderá arcar sozinho.
Não foi à toa, portanto, que no discurso da vitória ressaltou ter a certeza de que em muitos países europeus “foi um alívio a ideia de que, enfim, a austeridade não podia mais ser uma fatalidade”, como se chamasse outros líderes europeus para cerrar fileiras com ele no confronto que terá com a chanceler alemã por um compromisso europeu pelo crescimento.
Esse sentimento de que apenas com austeridade e aumento da liquidez não se sairá da crise europeia já existia mesmo no governo Sarkozy, cujo ministro da Economia, Finanças e Indústria, François Baroin, já ressaltava que a decisão do Banco Central Europeu de garantir fundos ilimitados para os empréstimos foi muito bem-vinda para ajudar a combater a crise, mas que a Europa tinha que pensar em como voltar a crescer.
Há diversas propostas na mesa de negociações, mas todas elas problemáticas, como, por exemplo, um corte em subsídios, especialmente os da agricultura, a fim de gerar dinheiro para investimentos na infraestrutura, que, além de modernizar os países, gerariam empregos imediatos.
Na América Latina, o novo presidente socialista francês receberá apoio bastante eloquente, a começar pelo da presidente Dilma Rousseff, que enviou mensagem de aplauso à proposta de superar a crise econômica europeia com políticas que “favoreçam o crescimento, o emprego, a inclusão e a justiça social”.
O que a presidente brasileira procura é o apoio da França nos fóruns internacionais, sobretudo no G-20, onde pretende “inverter as políticas recessivas, ainda hoje predominantes, e que, no passado, infelicitaram o Brasil e a maioria dos países da América Latina”.
A presidente brasileira, na verdade, quer mesmo é recuperar nossa capacidade de crescimento, o que a política de austeridade da Europa não favorece.
A crise está fazendo com que os países emergentes cresçam em ritmo mais lento, e o recuo de economias como a Índia e a China também afeta de modo importante o Brasil, que pelo segundo ano consecutivo deve crescer por volta de 3%.
Fonte: O Globo, 08/05/2012
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