É justa a preocupação com a taxa de juros básica elevada no Brasil. Ela impacta os cofres públicos em benefício dos mais ricos e desincentiva o investimento produtivo.
Para muitos analistas a taxa de juros estaria no lugar errado e, antes de qualquer reforma fiscal, o governo deveria se livrar deste problema. Se não o faz é porque estaria cedendo a grupos de interesse, notadamente o mercado financeiro.
Ainda que o argumento seduza pela sua simplicidade, ele não condiz com a complexidade do tema.
Sim, a taxa de juros está fora de lugar. Por isso mesmo o BC está agindo. Há boas chances de a Selic atingir 1 dígito nos próximos meses, podendo proporcionar a retomada cíclica da economia. Porém, não é isso que fará o Brasil crescer de verdade. A política monetária é instrumento de curto prazo, e tem seus limites.
A recomendação de forçar a queda da Selic para níveis mundiais (por exemplo, a média de Chile, Colômbia, México e Peru está em 5,25%) precisa ser reparada. Se, por um lado, pode fazer sentido o BC “testar” patamares mais baixos de juros, por outro, o espaço para experimentalismo é limitado. O BC levou a taxa Selic para 7,25% em 2012. Durou 7 meses. A inflação acelerou e o BC precisou puxar a Selic para 14,25%. Saiu caro.
O que faz a taxa de juros de um país ser estruturalmente baixa não é a boa vontade do banqueiro central, mas sim o ambiente econômico favorável. A taxa de juros elevada, ainda que cause muitos transtornos, é muito mais consequência do que causa de nossas fragilidades.
O sistema econômico é cheio de distorções que tornam o País mais vulnerável a choques inflacionários. A baixa qualidade do regime fiscal talvez seja a principal fonte de distorções. Temos um regime que gera dúvidas quanto à capacidade do governo de honrar sua dívida, que reduz a taxa de poupança do País e penaliza o potencial de crescimento de longo prazo, ao alocar mal os recursos públicos e ao tributar de forma distorciva. Aprimorar a política fiscal é o grande desafio.
Outro argumento frágil é que a taxa de juros é elevada porque há pressão de grupos de interesse.
Na realidade, o risco maior não é de pressão para juros altos, mas sim para juros baixos, pelo seu poder de aquecer a economia no curto prazo. Assim, muitas vezes os governantes pressionam os bancos centrais por impulso monetário. Por esta razão a literatura econômica discute a necessidade de blindar os bancos centrais de pressão política, por meio de sua autonomia formal.
O mercado de capitais se beneficia quando a taxa de juros cai, pelo estímulo a outros instrumentos financeiros, como a bolsa de valores. Os chamados especuladores, que são peça fundamental para garantir a liquidez do sistema, ganham dinheiro com a arbitragem. Se acham que a taxa vai subir, apostam na alta, e vice-versa. É um jogo de soma zero. Selic elevada não é garantia de lucro dos bancos. O crédito encolhe. Muitos bancos fecham no Brasil.
Quem ganha com a Selic elevada são os detentores finais de títulos públicos, sendo que metade da dívida interna está nas mãos de indivíduos/empresas, via fundos de investimento e previdência, e marginalmente no tesouro direto. Apenas 21% estão na carteira de instituições financeiras, não sendo fonte relevante de lucro dos bancos. Os detentores restantes são estrangeiros, governo, seguradoras e outros. O grupo é pulverizado.
O ganho dos investidores é menor do que o se imagina. O pagamento de juros está na casa de 5,6% do PIB, mas o ganho efetivo é bem menor. Algo como 1% do PIB quando se descontam os impostos (em torno de 20%) e a inflação (média de 7,3% nos últimos 4,5 anos, que é a maturidade média da dívida pública). A grande vantagem é conseguir proteger o patrimônio da inflação alta, ao contrário dos mais pobres.
O tema é complexo e não se trata de enfrentar rentistas para reverter o problema. A Selic se reduziu ao longo dos anos, conforme o País melhorou seus fundamentos. Esse é o caminho. Dá trabalho. Mas é o único possível.
Fonte: ” O Estado de São Paulo”, 17 de março de 2017.
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