Este segundo artigo da série em epígrafe trata da tributação financeira e das distorções que causa, e sugere correções.
Na intermediação bancária no Brasil incidem o IOF, imposto sobre operações financeiras, contribuição social, PIS, Cofins e IRF, imposto de renda na fonte, que são federais e ISS – imposto sobre serviços, que é municipal, com regulamentos e alíquotas específicas em cada uma das 5.570 localidades do país.
Isso causa distorções no sistema, por exemplo pela sua regressividade. Enquanto muitos países subsidiam o crédito, no Brasil ele é tributado e cobra-se mais por real emprestado ao pequeno tomador que ao grande, agravando a concentração de renda no país.
São tributos míopes. Pela estrutura de alíquotas, há um incentivo a prazos mais curtos, tanto para aplicações como para financiamentos. Isso amplifica a volatilidade da oferta de créditos, onera renegociações de dívidas e induz a uma inadimplência maior.
Sua complexidade é bizantina. Gera uma infinidade de contingências tributárias que demanda um exército de fiscais, contadores, advogados e despachantes. Parte considerável dos gastos com o monitoramento das exigências fiscais é um desperdício de recursos humanos e financeiros, sem nenhum benefício.
Colocam um piso à queda dos juros. O IOF incide sobre o montante de cada operação de crédito, mesmo que a taxa cobrada seja zero. Considerando que a instituição exija apenas esse imposto do devedor, deve ainda recolher o PIS e Cofins sobre esse tributo – imposto sobre imposto. Um despautério.
Pela sua estrutura, aumenta a cunha bancária. Com isso encarecem o crédito e emperram os mecanismos de transmissão da política monetária.
As causas desses problemas são sua origem. Os tributos existentes são resultados de medidas emergenciais ao longo do último meio século e não fruto de um planejamento criterioso.
Os tempos e os papéis da intermediação no Brasil são outros. O momento é oportuno para uma correção de rumos.
Uma boa estrutura tributária deve observar princípios de neutralidade, simplicidade, equidade – não cobrar proporcionalmente mais dos que têm menos e simetria – e tratar perdas e ganhos da mesma forma.
Deve também estimular a poupança, baixar o custo de capital, induzir o investimento, evitar distorções de preços, promover a inclusão bancária, alongar prazos e minimizar a inadimplência.
A proposta de aprimoramento é a substituição do IOF e IRF em aplicações financeiras e PIS, IOF, Cofins e ISS em operações ativas e serviços, por um único imposto de valor agregado financeiro. O nível de arrecadação seria mantido e haveria melhorias consideráveis.
Um imposto de valor agregado, também chamado de valor adicionado e de IVA, incide sobre a diferença entre o preço de venda e o preço de compra de um ativo com uma compensação de créditos e débitos de tributos. O ICMS e o IPI são exemplos de impostos de valor agregado.
Numa visão simplista, supondo que a alíquota fosse 15% e o preço de venda de uma camisa R$ 200, o imposto devido seria de R$ 30 (15% de R$ 200); supondo que o camiseiro tivesse comprado tecido, linha e botões no montante de R$ 80, teria um crédito tributário de R$ 12 (15% de R$ 80) já recolhidos desses produtos, portanto, só pagaria R$ 18 ao fisco (R$ 30 – R$ 12).
Um esquema parecido poderia ser implantado para as operações financeiras, onde apenas o resultado líquido seria efetivamente tributado e haveria uma compensação entre ganhos e prejuízos e os tributos pagos e devidos nos diversos mercados.
O imposto poderia até ser compensado com o imposto de renda, o ICMS e o IPI ao longo de toda a cadeia produtiva – leia-se agricultura, indústria e serviços, incluindo finanças e comércio. Há vantagens nessa substituição tributária que não devem ser negligenciadas.
Com a adoção desse imposto num cenário de juros baixos, seriam eliminados um dos componentes que amplifica as margens (spreads) de crédito e um piso à queda de juros ao tomador de empréstimos.
Outra vantagem é que se suprime o efeito cascata e se melhora a incidência tributária. Como o setor bancário é essencialmente intermediário, um aumento de custos é propagado por toda a cadeia produtiva, fomentando a verticalização da estrutura empresarial e onerando a produção.
Com um imposto de valor agregado o ônus tributário é compensado ao longo do processo produtivo. Dessa forma, parte do custo do capital poderia ser repassado ao consumo, baixaria o custo do crédito e eliminaria a regressividade da estrutura atual.
O IVA financeiro, se implantado adequadamente, apresenta outra conveniência em relação à atual estrutura tributária: permite um tratamento simétrico com relação ao risco e a intertemporalidade.
Ou seja, as operações de hedge em diversos mercados seriam neutralizadas – e haveria uma compensação intertemporal de ganhos e perdas. É uma vantagem considerável, pois melhoraria a eficiência alocativa do sistema financeiro, permitindo que os fluxos de poupança fossem canalizados para os setores que apresentam a melhor rentabilidade ajustada ao risco.
Haveria outros benefícios, como uma transparência maior do custo efetivo da tributação na produção, uma redução no número de tributos e um incentivo maior a declarar.
Existem questões importantes a serem abordadas para a implantação de um novo imposto, como a fixação de alíquotas para manter o volume de arrecadação, o regime de compensação de créditos e débitos, a alocação de receitas tributárias para os municípios e a transição.
Uma racionalização da estrutura impositiva, com a adoção do tributo proposto, é uma opção viável que não resolve todos os problemas, mas teria uma contribuição expressiva.
Implicaria ganhos de produtividade, uma contribuição melhor do sistema financeiro em seu papel de canalizar poupanças para o investimento e cumprir sua missão basal, de uma forma mais adequada, sem uma redução da arrecadação tributária global.
A proposta é um ganha-ganha para o fisco, os bancos e o Brasil.
Fonte: Valor Econômico, 28/10/2014.
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