Mudanças nas regras da Previdência e seguridade são rejeitadas pela sociedade, segundo pesquisas de opinião. O resultado não surpreende. Mas se a sociedade compreendesse as consequências perversas de uma previdência tão generosa como a do Brasil, talvez tivesse outra opinião. O debate sobre o tema está bloqueado em uma mistura de ideologia e populismo de todos os lados. Faltam informações, sobram dogmas.
É justa a pensão para filhas de militares, juízes e diversas outras categorias? Faz sentido não haver idade mínima para aposentadoria, contrariando a experiência mundial? É correta a cumulatividade de benefícios? Por que o Brasil é campeão mundial em pensões por invalidez e auxílio doença? Por que o seguro-desemprego é 3 vezes maior do que a experiência mundial, mesmo quando a taxa de desemprego estava baixa? É razoável um terço das aposentadorias serem rural enquanto 90% da população é urbana (ainda que parte reflita o processo de urbanização de décadas passadas)? Por que o Brasil gasta tanto com aposentadorias, sendo um país ainda relativamente jovem? Por que as mulheres aposentam mais cedo apesar de viverem mais?
São questionamentos que a sociedade precisa fazer. Afinal, que país queremos?
Os impactos da previdência na economia são significativos e abrangentes. Talvez seja a política pública que mais impacte a vida das pessoas e a dinâmica da economia. E talvez seja a principal prioridade na agenda de reformas estruturais. O envelhecimento da população, considerado rápido pelos demógrafos, aumenta a urgência de ajustes.
A previdência social do setor privado é o principal gasto do governo federal, representando quase 40% dos gastos e 7,1% do PIB em 2014. Em 1988, ano da Constituição, as despesas da Previdência foram de 2,5% do PIB. Com o envelhecimento da população, especialistas, como Paulo Tafner do Ipea, estimam que esses gastos poderão atingir 10% do PIB em 2030 (para mais detalhes, http://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2015/11/Insper_nov-2015_vf_vre.pdf).
Somando os gastos da previdência do setor público, a cifra salta de 7,1% para 11% do PIB em 2014. Essa cifra coloca o Brasil em posição praticamente única no mundo, de gastar com previdência o mesmo que países que tem população mais idosa, apesar de ser país ainda jovem. O Japão tem taxa de dependência (razão entre população idosa e jovem) elevada, de 35% contra 10% no Brasil, e gasta praticamente o mesmo que o Brasil.
Na ausência de reformas, a carga tributária terá que subir sistematicamente para a solidez do sistema. A questão não é o tamanho do déficit em si (alguns analistas alegam que não haveria déficit da previdência se recursos tributários não fossem transferidos para outros gastos e se os subsídios, como LOAS, fosse excluído da conta; mas este não é o ponto). O problema é o tamanho dos gastos e também sua tendência de alta.
Importante mencionar que o aumento de gastos previdenciários não reflete apenas o envelhecimento da população, mas também as regras da previdência, particularmente a do salário mínimo, que é indexador de muitos benefícios.
Gastos elevados implicam taxa de poupança mais baixa no país e, portanto, taxas de juros mais elevadas. Gastos crescentes implicam pressão sobre carga tributária e dinâmica da dívida pública. Quanto maior esta pressão, maior a instabilidade macroeconômica. Tudo somado, o resultado é menor potencial de crescimento econômico do país.
O modelo de previdência social no Brasil (sistema de repartição, em que o benefício a ser recebido não representa aquilo que foi poupado pela pessoa ao longo da vida) é desincentivo à poupança dos indivíduos. A grande maioria dos países opera no modelo de repartição. O problema é que há razões para que o efeito da previdência sobre a taxa de poupança no Brasil supere em boa medida o padrão mundial (na experiência americana, as pesquisas apontam que cada dólar de aposentadoria reduz a riqueza dos indivíduos entre 0 a 50 cents), em função das peculiaridades do modelo brasileiro.
O motivo principal é que a previdência no Brasil é das mais generosas do mundo, além de ter regras muito permissivas e vulneráveis a fraudes. Regras de exigibilidade mais frouxas e regras generosas para a fixação dos benefícios. Segundo levantamento de Paulo Tafner, temos regras pouco frequentes em outros países, como a distinção de gêneros e cumulatividade de benefícios; e não temos regras que são comuns em outros países, como idade mínima para aposentadoria.
Segundo o Global AgeWatch Index de 2015, o Brasil é o 13º no em segurança da renda de idosos, num conjunto de 96 países, muito embora seja apenas o 56º no ranking total desde indicador que mede as condições de vida da população idosa. Há um claro descompasso entre a segurança da renda do idoso e demais indicadores socioeconômicos do país. A renda da aposentadoria é, na maioria das vezes, maior do que na ativa.
Na experiência mundial, a idade mínima de aposentadoria está em 65 anos. No Brasil, a idade média dos aposentados por tempo de contribuição está em 55 anos para homens e 52 anos para mulheres, sendo que apesar de as aposentadorias por tempo de contribuição representarem 25% do total, consomem mais de 45% dos gastos. Ou seja, as pessoas que se aposentam por tempo de contribuição não estão no grupo de trabalhadores mais carentes. Estes últimos, mais frequentemente, se aposentam por idade.
A previdência no Brasil tem um conjunto de regras que desincentivam a contribuição previdenciária. Além de regras permissivas, a renúncia tributária no sistema é elevada, atingindo R$ 54,4 bilhões na Contribuição para a Previdência Social e R$88,7 bi nas Contribuições Sociais (PIS-Pasep, CSLL, Cofins) em 2015. São várias as regras que geram renúncia, como desoneração da folha, Simples e microempreendedor individual.
Por todas essas questões, a previdência piora a distribuição de renda no país, segundo especialistas como Marcelo Abi-Ramia Caetano. A previdência e a seguridade são concentradoras de renda.
Enfim, a previdência no Brasil gera desequilíbrio macroeconômico e prejudica o crescimento, e beneficia alguns grupos entre os mais privilegiados. Além de o sistema ser mais justo, precisaria ser compatível com a demografia do país e deveria estimular as pessoas a contribuir para ter o benefício.
O tema é complexo e enfrenta resistências. Apenas com diagnósticos corretos e transparência será possível avançar o debate político. É importante separar o que é direito legítimo dos indivíduos, e justificável do ponto de vista social, de falhas e permissividades que beneficiam grupos privilegiados e ameaçam as contas públicas.
Além disso, é necessário rediscutir regras. A realidade muda – por exemplo com o envelhecimento populacional – e exige ajustes no funcionamento da previdência e seguridade. É importante haver flexibilidade no sistema.
Para que a previdência cumpra seu papel e esteja de acordo com o espírito da Constituição, ela precisa ser sustentável. O contrato social está ameaçado e precisa ser rediscutido. Não se trata de comprometer direitos, como alegam críticos da reforma da previdência, mas de garantir direitos legítimos para a atual e as próximas gerações.
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