A crença na nossa abundância natural e inesgotável de florestas, campos férteis, subsolos ricos, rios e mares também parece valer para o tempo. Perdido, no caso.
Nos países mais prósperos e civilizados, o tempo do cidadão foi se valorizando cada vez mais, não por angústia metafísica, mas pelos resultados da boa e velha máxima time is money.
Principalmente quando money pode comprar o bem mais precioso: time.
Penso no tempo perdido no trânsito, em filas lentas e intermináveis, em longas e penosas viagens para o trabalho em transportes precários, no tempo que se perde em repartições públicas e em processos judiciais, como é tradição brasileira, e em setores modernos como bancos e supermercados.
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No tempo que uma atendente de um McDonald’s americano serve quatro pessoas, uma brasileira serve uma. Uma questão de timing. E objetividade, da atendente e do freguês. O tempo ali é dinheiro para todos. É o que se pode chamar de produtividade, que dá mais dinheiro para empregados e empregadores, e mais tempo livre.
Recentemente, perguntaram a trabalhadores americanos e europeus se estariam dispostos a trabalhar mais 10% de tempo por mês para ganhar mais 10% de salário. A maioria absoluta de americanos aceitava, e os europeus rejeitavam. Pelo valor do tempo livre para eles. Mesmo em pequenos vilarejos italianos há obras de arte, tradição, histórias, famílias, comida, vinho, natureza. O que fazer numa cidadezinha americana no tempo livre?
O brasileiro tem uma capacidade nata para perder tempo, principalmente do outro. Movido por uma cultura do papo e da dispersão, tem no DNA a preguiça e a malandragem de Macunaíma, que vem de cima para baixo, e volta para cima, prejudicando a todos e torrando fortunas do bem mais precioso dos tempos modernos: o tempo.
O Brasil resiste à cultura moderna e tecnológica de “comprar um serviço” e insiste na tradição colonial de “alugar uma pessoa” o mês inteiro, para um trabalho que pode ser feito na metade do tempo.
Hoje não há tempo mais perdido do que horas vagando pela internet, espalhando mentiras e xingando adversários políticos.
Fonte: “O Globo”, 25/05/2018