Países que adotam um modelo econômico voltado para o consumo têm um duplo desafio. Primeiro, superar a carência de poupança, já que consumir é o mesmo que não poupar. Sem poupança, não há investimento; sem este, não há crescimento nem aumento de produtividade. O segundo desafio é criar um ambiente favorável para o investimento, pois não basta aumentar o consumo para o investimento acontecer.
Parte do problema se resolve pelo aumento das importações e da poupança externa que vem junto. O continuado aumento do consumo leva ao encarecimento relativo dos produtos não comercializáveis com o exterior, especialmente serviços, relativamente aos demais, basicamente industrializados, já que, não tendo como importar os primeiros, fica impossível aumentar sua oferta sem expandir a rígida produção interna. Já no caso dos demais bens, a oferta é flexível, por ser possível a importação, e os preços em dólares são determinados basicamente fora do país.
Essa mudança de preços relativos equivale a uma apreciação real da taxa de câmbio e leva ao aumento das importações dos industrializados, desde que inexista restrição relevante de financiamento. Assim, aumenta a competitividade dos não comercializáveis, que passam a atrair mão de obra e capital dos demais setores da economia.
Resta saber se maiores investimentos efetivamente ocorrem nesse setor, sob pena de forte subida dos preços internos, pois não há como importar substitutos próximos. Sem essa mobilização, impor-se-ia uma trava relevante ao funcionamento da economia.
Num mundo inundado de liquidez, havendo projetos rentáveis e boa vontade com os investidores privados, o dinheiro aparece. Maior volume de recursos ingressará no País, a não ser que o governo, pressionado pelo setor industrial, crie barreiras à entrada de dólares na economia, a fim de impedir uma maior apreciação do real.
Um problema fundamental é que, exatamente no segmento crítico dos serviços de transportes, os investimentos dependem basicamente do setor público, que: 1) desaprendeu a investir nos últimos anos, por ter passado a concentrar seus recursos em gastos correntes – uma das pernas do modelo pró-consumo; e 2) por seus atos, revela um forte viés antiprivado, o que se choca com a constatação anterior.
Assim, a resposta dos não comercializáveis tem estado abaixo das expectativas. Para completar, o governo tem priorizado a indústria com desonerações tributárias, crédito subsidiado, congelamento de preços críticos como energia elétrica e petróleo, etc., para compensar a perda de competitividade, que na verdade tem muito a ver com o modelo consumista. Tudo isso acaba desaguando no Orçamento e interferindo de forma nociva em segmentos importantes em que predominam concessões públicas. O pior é que tanto a produção industrial como a relação investimento/PIB estão estagnadas desde 2009, mostrando que há muito o que consertar nas políticas atuais.
Nesse contexto, a ausência do reajuste de tarifas e pedágios que os prefeitos e governadores de São Paulo e do Rio, além do governo federal, decretaram em 2013, em reação às manifestações, foi uma lástima. Em vez de enfrentar o problema de frente, as autoridades optaram, na prática, por descumprir os contratos de concessão, afugentando os investidores.
No ambiente conturbado da época, as empresas foram induzidas a aceitar uma compensação parcial dos prejuízos, como, por exemplo, a suspensão de certos investimentos importantes, algo que pode eventualmente pôr em risco a própria integridade física dos usuários. Isso levou a uma forte reação negativa dos investidores, especialmente dos externos, que se consideraram lesados nesse confuso processo.
A segurança regulatória e a consequente atratividade do modelo de concessões públicas não podem ser postas em risco com quebras de contratos e o uso da criatividade em soluções de reequilíbrio para atender a interesses políticos. A repetição de procedimentos lamentáveis como estes contribuirá para atrasar a retomada do crescimento do PIB e do emprego.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 13/02/2014
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