Segundo números do Pisa, problemas como interrupções de aulas, atrasos e ausência de professor são mais frequentes no Brasil. Levantamento da Fundação Lemann mostra que “clima escolar” no país é pior que a média internacional em todos os itens
Uma pesquisa com diretores de escolas que participaram da última edição do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2012 sugere explicações para o mau desempenho do Brasil, que ficou entre as 10 últimas posições na lista de 65 países pesquisados. Dados tabulados com exclusividade pela Fundação Lemann para O GLOBO mostram até que ponto 19 fatores sobre clima escolar atrapalham o aprendizado de matemática, leitura e ciências, disciplinas avaliadas na prova, aplicada a alunos de 15 anos. Entre esses fatores estão evasão, atraso e falta a aulas por alunos e professores, uso de álcool e drogas por estudantes, bullying e falta de respeito com os docentes.
Cerca de 800 diretores de escolas brasileiras responderam a um questionário com 19 perguntas, como parte do Pisa 2012. A intensidade com que os problemas atrapalham o aprendizado nas escolas brasileiras é maior do que a média dos países da Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) em todos os itens da pesquisa. As possibilidades de resposta foram divididas em quatro opções (“nada”, “muito pouco”, “até certo ponto” e “muito”) para perguntas como: “até que ponto a interrupção de aulas por alunos impede a aprendizagem?”.
Nessa questão, aliás, o Brasil é o último do ranking de 65 países avaliados. Para 24,57% dos diretores de escolas nacionais, interrupcões de estudantes atrapalham muito o aprendizado. Já a média dos países participantes da OCDE é de apenas 2,54%. Em países como Reino Unido, Canadá, Tailândia e Polônia, menos de 1% dos dirigentes de colégios veem as interrupções como um grande empecilho ao aprendizado.
Coordenador de projetos da Fundação Lemann, Ernesto Martins Faria cruzou dados das respostas com desempenhos nas três provas, e viu uma relação de causa e consequência.
– A maioria dos itens tem uma relação forte com o aprendizado. Por exemplo, nos países que relatam que há muito problema de atraso dos alunos, a proficiência é mais baixa. Naqueles que relatam que acontece pouco, a proficiência é mais alta – compara Martins Faria.
O especialista pondera que pode acontecer de um país ter uma maior frequência de um problema e ainda assim ter um resultado melhor, ou o inverso.
– Não são só esses fatores que determinam a qualidade da educação. Mas para todos os países há esta tendência: resultados baixos (em matemática, leitura e ciências) nas escolas em que os diretores relatam a maior incidência de um problema, e resultados altos onde relatam menos. Em várias perguntas isso aparece. As questões de clima escolar estão muito ligadas aos resultados do aprendizado – diz ele.
Professor ameaçado por aluno
Professor de matemática, Ivan Macedo vive essa realidade no dia a dia. Ele dá aulas no ensino médio do Colégio Estadual Operário João Vicente, em Duque de Caxias, e endossa os 14,08% das escolas brasileiras que consideram que a aprendizagem dos alunos é muito dificultada pela falta de respeito com docentes. Na média dos países da OCDE, a alta frequência desse problema é de 1,88%. Na opção “até certo ponto”, os percentuais são de 27,23% e 15,19%, respectivamente.
– Na semana passada, um aluno do 3º ano faltou com respeito a mim e a outro professor nos xingando. Já aconteceu de aluno ameaçar me bater, mas não chegou às vias de fato. Em um Ciep em que trabalhei, um professor foi ameaçado por um grupo em que um aluno estava armado. A agressividade e a falta de respeito atrapalham os alunos bons que querem participar, mas ficam cansados com essas situações. A grande maioria atrapalha os outros. O tempo já é curto, e ainda temos que ensinar para gente grande como ter educação – lamenta Ivan, de 24 anos.
Diretora adjunta do mesmo colégio, a professora de língua portuguesa Cristiane Vera Cruz acredita que a evasão escolar é um dos maiores entraves ao aprendizado. No Brasil, 15,85% dos diretores disseram que esse problema atrapalha muito, mais que o dobro nos países da OCDE (7,01%). Na opção “até certo ponto”, a diferença percentual é maior: 35,96% contra 26,15%, respectivamente.
– A evasão está acontecendo bastante, principalmente no turno da noite, porque os alunos trabalham e acabam não vindo à aula. No momento em que abandonam, há uma ruptura. Mesmo que venham a retomar os estudos depois, não é o mesmo que ter uma continuidade no ensino. O ideal é se manter na escola dentro da sua faixa etária para concluir a educação básica até os 18 anos – diz Cristiane.
Para os estudantes, a responsabilidade na dificuldade de aprendizado também está associada ao desempenho dos professores. Aluna do 3º ano de Colégio Estadual Souza Aguiar, na Lapa, Mariana Santos diz que se sente prejudicada quando não é incentivada a atingir seu pleno potencial. Para 28,15% dos diretores brasileiros isso dificulta até certo ponto, e para 8,32%, muito. Na média da OCDE, os percentuais são 18,40% e 2,2%.
– Isso dificulta o aprendizado, até porque eles facilitam muito para a gente passar de ano. Tem professor que dá três pontos na nota se o aluno estiver presente em todas aulas. Não sou avaliada como devo. Se tirar 2 na prova, quer dizer que só sei 20% da matéria. Mas consigo passar por causa desses três pontos – conta Mariana.
Ligado a esse fator está a baixa expectativa depositada pelos professores nos alunos. Esse problema afeta até certo ponto, segundo 31,74% dos diretores brasileiros, e muito, para 7,28%. Na OCDE, os números são 16,05% e 1,36%. No 3º ano do Colégio Estadual Pedro Álvares Cabral, em Copacabana, Lucas Alves sabe como é isso.
– Uma professora de biologia dizia que eu não conseguiria ir bem na matéria. Estudei e me esforcei para fazer ela engolir as palavras. Mas os alunos da minha sala têm mais rendimento quando o professor acredita que é possível ir além.
Fonte: O Globo
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