Estranho, para um país que se aproxima da Copa, é o interesse crescente por pesquisas eleitorais. Parece que há uma tendência de menos pão e circo e mais política, no sentido amplo de preocupação para com o bem-estar nacional nos próximos anos. A multiplicação dessas pesquisas, porém, tem dado lugar a julgamentos precipitados. Nessa perspectiva, os números têm sido frequentemente triturados. Não podemos nos esquecer de que pesquisas se aproximam de diagnósticos que, bem examinados, podem indicar tendências que estejam se delineando. Vejamos um esboço deste quadro.
As pesquisas divulgadas durante o mês de abril consolidam, na comparação com as anteriores, a queda da popularidade do governo. Datafolha aponta 36% de ótimo/bom; Ibope, 34%; e Vox Populi, 32%. São, pois, porcentuais preocupantes e que seguramente levam a disputa para o segundo turno. Há configurada uma crise de popularidade, com implicações diretas para a reeleição. Com o atual porcentual, pode-se dizer que sua reeleição corre perigo. A margem de segurança começaria com 40%, embora esse número não assegure por si mesmo a reeleição.
Note-se que há uma tendência geral de queda, abarcando, mesmo, o eleitorado tradicional petista. Por exemplo, no grupo de eleitores com rendimentos familiares mensais de mais de 1 a 2 salários mínimos, que representa 32% dos entrevistados pelo Ibope, o cenário é negativo para os interesses do governo. O ótimo/bom está em queda e o ruim/péssimo, em tendência ascendente. Em fevereiro, a presidente tinha 46% de ótimo/bom, cai para 40% em março e continua caindo, em abril, para 38%.
Há uma questão que merece ser bem destacada e que faz com que “o jogo ainda não esteja jogado”. Trata-se do grau de desconhecimento dos candidatos Aécio e Eduardo. São duas figuras públicas particularmente desconhecidas do grosso do eleitorado, ao contrário de Dilma, que é conhecida por praticamente todos os eleitores. A petista está em posição privilegiada e a vantagem que tem sobre os demais candidatos é tributária, em alguma medida, desse seu alto grau de conhecimento, por um lado, e de desconhecimento de seus adversários, por outro.
Segundo a pesquisa Datafolha, no caso de Aécio, 35% dos eleitores dizem conhecê-lo “só de ouvir falar” e outros 25% simplesmente não o conhecem. Na soma, há 60% de desconhecimento. Para Eduardo o quadro é ainda mais prejudicial, porque 33% só o conhecem “de ouvir falar” e 42% jamais ouviram falar de sua figura pública. Há, aqui, 75% de desconhecimento. No caso de os dois serem desconhecidos do grande público – e particularmente dos eleitores mais pobres e de menor escolarização -, isso significa uma barreira importante para o crescimento em termos de intenção de voto.
Ainda segundo a mesma pesquisa, 65% dos brasileiros acreditam que a inflação irá aumentar, 45% que o desemprego vai aumentar e 28% confiam em que o poder de compra de seu salário será incrementado nos próximos meses. Inflação, poder de compra e pleno-emprego são partes constitutivas do que poderíamos chamar de “tripé social”, que assenta a popularidade do governo. Com a deterioração de sua percepção positiva, inevitavelmente a candidatura de Dilma será prejudicada. São indicadores de percepção social que podem vir a ter a maior importância eleitoral, pois afetam diretamente a atual política governamental.
Vale, ainda, destacar que atualmente os candidatos de partidos menores somam 6% de intenção de voto. Ora, é um porcentual nada desprezível, confirmado por vários institutos.
Chama particularmente a atenção a participação, pouco assinalada, do Pastor Everaldo, do PSC, que ostenta nada desprezíveis intenções de voto de 2% ou 3%. Para um candidato pouco conhecido, de um pequeno partido, a sua intenção de voto é digna de nota. Ele atinge um eleitorado conservador, defensor da família, de menor renda e predominantemente evangélico. No entanto, sua candidatura pode perfeitamente alcançar outros estratos religiosos e sociais, uma vez que os valores que defende têm abrangência muito maior. Um candidato como esse pode ser um fator decisivo para um segundo turno.
As pesquisas de abril mostram um amplo contingente de intenções de votos brancos/nulos e não sabe/não respondeu, configurando um grupo significativo de indecisos que pode decidir as eleições. A soma dos dois grupos na pesquisa Datafolha monta a 29%; no Ibope, a 37%; e na CNT/MDA, a 29,4%. Particular atenção deve ser data a esses grupos, pois eles podem ser a mostração, por assim dizer, de um descontentamento com os políticos em geral, independentemente das preferências partidárias. As Jornadas de Junho apresentaram tais grupos em ação, exigindo melhores condições de mobilidade urbana e expondo um descontentamento generalizado com os serviços públicos. O governo não soube atendê-los nem compreendê-los, enquanto os candidatos oposicionistas estão, também, à margem deles.
Neste contexto, a realização da Copa exibe um problema de monta. A população brasileira já deu mostras de insatisfação com a sua realização. Por que privilegiar estádios, e não melhores condições de saúde, educação e transporte público? Se, ademais, a organização não for bem planejada, com obras inconclusas ou inexistentes, com promessas não cumpridas, a situação tende a se agravar. Há um imponderável, aqui, que foge do controle eleitoral. A Copa, com seus protestos previstos e a imprevisibilidade de seus desdobramentos, pode ser, neste momento, fator de desestabilização da candidatura à reeleição de Dilma. Soma-se ainda outro fator completamente imprevisível, de natureza completamente não política. Se o Brasil vencer a Copa, as chances da presidente aumentam. Se o Brasil perder, a oportunidade maior caberá às oposições. Preparo/despreparo de organização da Copa e vitória/derrota da seleção nacional são fatores imponderáveis e de repercussão eleitoral.
O futuro é incerto. A indefinição constitui o cenário atual.
Fonte: O Globo, 05/05/2014
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