A Petrobras dificilmente conseguirá renegociar sua dívida com os bancos. E boa parte do problema pode ser atribuído a um fato que costuma passar despercebido: não existe regime de insolvência aplicável às estatais.
Vamos começar por aquilo que todo mundo já sabe. A dívida da Petrobras, no valor de US$ 127,5 bilhões em setembro de 2015, é praticamente impagável. É uma das maiores dívidas corporativas do mundo. Aproximadamente metade é detida por bancos e a outra metade por detentores de títulos. Considerando o caixa que a companhia tinha em conta naquela mesma data e o Ebitda (que representa o caixa que a Petrobras gerou nos 12 meses anteriores), a companhia levaria cerca de 4 anos para quitar a dívida se pudesse direcionar todo caixa para o bolso dos credores.
Não parece um desastre completo, mas se considerarmos que esse Ebitda está sendo gerado por um subsídio do cidadão brasileiro à companhia (hoje pagamos um preço de gasolina mais caro do que deveria ser) e que a empresa tem ainda compromissos enormes com a aventura do pré-sal – a conta de investimento, depois de vários cortes, ainda é US$ 20 bilhões somente em 2016 – vê-se claramente que não há de onde tirar “sobras” para pagar. Além disso, estamos ignorando aqui os “leases” operacionais que praticamente dobrariam o tamanho da dívida, sendo que todos (inclusive as agências de rating) atualmente preferem ignorar esse número nada irrelevante. Por isso a Petrobras tenta vender tudo que pode.
Quando os credores baterem às portas da Petrobras, só restará ao governo capitalizar e salvar a empresa Ora, o que faz um banco diante de um grande devedor nessa situação? Vamos esquecer por um instante que se trata da Petrobras e vamos pensar num caso mais geral.
Se o devedor está em tamanha dificuldade, há basicamente três opções para o banco credor. A primeira opção é cobrar a dívida. Aqui o resultado prático é forçar o devedor a entrar em recuperação judicial. É que os contratos de financiamento de grandes empresas costumam conter cláusula de cross default – inadimplemento cruzado. A impontualidade em um contrato causa o vencimento antecipado de todos os demais. O banco, assim, executará as dívidas e em meio à recuperação judicial receberá uma parte do seu crédito. O resto terá que ser reconhecido como perda.
Só que nenhum banco gosta de reconhecer perdas – fazer o write off, como se diz. A perda reconhecida reduz a lucratividade e sinaliza fraqueza. E em tempos de crise, sinalizar fraqueza é perigoso. Por isso, a segunda opção é rolar a dívida, ou seja, conceder um novo empréstimo que permita pagar a dívida anterior, substituindo-a por uma nova. Rolar a dívida é bom para o devedor, que ganha tempo para por a casa em ordem (leia-se: reduzir as despesas correntes, vender ativos, renegociar com os clientes e esperar a retomada dos preços no mercado). E rolar a dívida pode também ser bom para o banco credor, que mantém a chance de receber integralmente o seu crédito.
Há ainda uma terceira opção, e essa é geralmente a preferida por qualquer devedor. Trata-se de renegociar a dívida, isso é, reduzir o principal ou os juros, e alongar os prazos. Para o credor, faz sentido dar essa colher de chá para o devedor quando a expectativa do recebimento do valor renegociado for maior do que aquilo que espera receber na recuperação judicial.
Pois bem: será que a Petrobras vai conseguir rolar ou renegociar a sua colossal dívida com seus atuais credores? Provavelmente, não.
Normalmente, como vimos, o banco credor tem receio de “apertar” o devedor: interessa ao credor evitar a recuperação judicial. Mas com a Petrobras não é assim, porque a Lei 11.101/05 – a Lei de Falências – é expressa ao dizer que a recuperação judicial não se aplica às estatais. Essa é então a diferença fundamental entre a Petrobras e as diversas grandes empresas brasileiras hoje passando pelo constrangimento da recuperação judicial: essas empresas podem entrar em recuperação judicial; a Petrobras, não.
Verdade que como em qualquer tema jurídico também nesse há sutilezas. Extrai-se do artigo 173 da Constituição Federal a ideia de que as estatais se sujeitam ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários. Se isso é verdade, argumentam alguns, parece correto concluir que a Lei de Falências deva se aplicar também às estatais. Por que só as empresas privadas teriam a possibilidade de recorrer à renegociação judicial?
O argumento faz sentido. O problema é que ele nunca foi testado em juízo. Por isso, uma eventual recuperação judicial da Petrobras seria em certa medida uma aventura jurídica, um mergulho no desconhecido envolto em uma incerteza ainda maior que a exploração do pré-sal…
Recentemente, a Petrobras tem sido salva pelo gongo – ou, melhor dizendo, pelos aportes do Banco de Desenvolvimento da China, que têm dado liquidez em troca do compromisso da Petrobras de fornecer petróleo com preferências no futuro. Não resolve o problema da Petrobras, mas ajuda a empurrar com a barriga. O que quer dizer que se o preço do petróleo não se recuperar rapidamente, mais aportes da China serão necessários.
E se o dinheiro chinês não vier? Nesse caso, quando os bancos credores baterem na porta da Petrobras não restará ao governo outra alternativa a não ser capitalizar e salvar a empresa. Aí não haverá muito o que fazer: dar o calote geraria perigosos efeitos em cadeia; e privatizar a empresa segue sendo anátema para este governo federal. Assim, o Tesouro teria que pôr dinheiro. Sabedores disso, não há por que os credores rolarem nem renegociar nada por enquanto. É bem verdade que já houve no passado uma rodada de renegociações, mas o contexto político e econômico era outro. Hoje, não há por que esperar que a Petrobras consiga nada dos seus credores.
Tivéssemos uma legislação adequada, talvez o resultado fosse outro.
Fonte: “Valor econômico”, 23 de março de 2016.
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