A nova rodada do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) confirma: há dois Brasis. O Brasil das escolas particulares, com 502 pontos, bem próximo à média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e o das escolas públicas, com média de 387 pontos, na rabeira do mundo. Isso significa que o aluno médio de 15 anos de idade daqueles países encontra-se quase três séries escolares à frente dos alunos de nossas escolas públicas. E que metade dos brasileiros dessa faixa etária nem sequer entende o que lê. A outra metade foi apenas um pouquinho além disso.
Houve avanços no País? Sim. E possivelmente se devem à progressão do fluxo escolar: hoje temos mais jovens de 15 anos no ensino médio, e isso pode explicar grande parte da evolução dos resultados. Mas estamos bem? Não. Estamos muito mal. Houve surpresas nos resultados? Talvez. O desempenho das escolas públicas nas diversas Unidades da Federação (UFs) reproduz as diferenças regionais. Como as amostras foram tomadas dentro de cada uma dessas unidades, é prematuro fazer inferências sobre as escolas privadas ou comparações entre as UFs.
É patente que falhamos e continuamos falhando no essencial. Não fizemos uma reforma educacional digna do nome. Temos boas intenções e o esboço de uma mobilização social ainda capenga e fortemente atrelada ao Estado. Há boas ideias e iniciativas interessantes aqui e ali, algumas com os elementos certos para quem desejar fazer uma reforma educativa para valer. Mas não há proposta – nos planos federal, estadual ou municipal – consistente e contendo as condições necessárias e suficientes para mudar o quadro.
Coincidente com o Pisa, recém-publicado estudo da McKinsey confirma o que já sabemos sobre reformas educativas eficazes e lança novas luzes sobre um aspecto que deveria interessar a autoridades e à comunidade acadêmica: uma reforma eficaz se faz com ingredientes já conhecidos e comuns a todos os países de sucesso na área educacional.
A novidade: a receita e a dose mudam de acordo com o estado do paciente. Quanto mais primitivo o sistema educativo – caso do Brasil -, mais necessárias as intervenções estruturadas e dirigidas. Para sermos igual a Cingapura ou Coreia do Sul, por exemplo, precisamos seguir o que fizeram esses países quando estavam na nossa situação. E não copiar o que executam hoje.
O Brasil erra quando preconiza autonomia onde ela não pode existir. E, mais ainda, quando centraliza decisões, usando nas escolhas critérios que não procedem. Ou seja: usamos os ingredientes errados em doses erradas.
Temos, aqui, ao mesmo tempo, problema e solução. O problema – comum a praticamente todas as redes de ensino do Brasil – é de qualidade. Estamos na lama. Se a evidência científica e a experiência internacional valerem para o País – e deveriam valer -, a solução encontra-se numa série de medidas já testadas lá fora: foco na alfabetização e no ensino da língua e da Matemática; prescrição de currículos e materiais de ensino estruturados, com suporte de bons livros didáticos e com orientações claras e específicas para um professor que apresenta hoje baixos níveis de qualificação; apoio para o cumprimento rigoroso do ano letivo e do tempo em sala de aula; supervisão baseada em instrumentos adequados e em informações oriundas de avaliações para a melhoria das práticas escolares. A eficácia de sistemas de incentivos é demonstrada em vários casos, mas ainda é objeto de grandes controvérsias.
Além dos resultados, o Brasil também difere dos países desenvolvidos pelo fato de haver enorme diferença entre o desempenho das escolas de uma mesma rede de ensino: além da ineficácia e ineficiência, os sistemas de ensino também lidam mal com a questão da equidade. São mais dois Brasis dentro de cada rede. Essa dispersão de resultados reflete o erro estratégico das políticas que centralizam o que não deveriam e descentralizam o que não poderiam. Nossa meta mais importante deve ser a redução das diferenças entre os resultados das escolas. O relatório da McKinsey confirma o que vozes isoladas vêm preconizando no Brasil: é preciso sintonizar pedagogia e gestão.
Muitos dos ingredientes de sucesso estão em uso em algumas redes de ensino, mas com composição, dose e estilos diferentes e quase sempre de maneira errática ou inconsistente. Há ainda muita incompreensão sobre o que efetivamente funciona em educação e na sala de aula – apesar das evidências científicas. Isso é resultado de ignorância patrocinada pelos interesses corporativistas e por uma forte visão ideológica que permeia as faculdades de educação, os egrégios conselhos de composição igualmente corporativista e a cabeça das autoridades educacionais.
Mais difícil do que fazer certo é manter o foco. As secretarias de Educação e o Ministério da Educação (MEC) inundam as escolas com uma miríade de ideias e programas que até podem ter mérito isoladamente, mas que acabam contribuindo para distrair as redes e escolas do foco principal. O maior equívoco reside nas estratégias de capacitação, que ignoram as condições reais do professor.
Temos aí mais uma chance. O estudo da McKinsey aponta caminhos. Se tivermos a humildade de não querer redescobrir a roda, podemos melhorar nosso padrão educacional. Dado o desequilíbrio federativo, o papel do MEC e dos governos estaduais poderia ser de importância vital para estimular boas reformas, com base no pluralismo de abordagens, desde que reconhecidamente eficazes.
Mas para isso seria necessária uma revolução nas formas de pensar e de agir do MEC e das secretarias. Até lá, as redes de ensino terão de procurar seus próprios caminhos e resistir às pressões e modismos. De boas intenções o inferno está cheio.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 22/12/2010
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