Para quem tem acompanhado o desenrolar dos primeiros cem dias de Donald Trump, surpreende a facilidade com que o líder norte-americano flerta com uma pletora de péssimas ideias, apenas para mudar radicalmente de posição alguns segundos, minutos, ou horas depois. A maior parte das péssimas ideias de Trump concentra-se no comércio internacional — ou seja, qualquer macroeconomista acostumado a discutir os problemas da política fiscal e monetária, vem transformando-se em perito na área comercial nesses últimos cem dias. Para mim, ao menos, assim tem sido.
O comércio internacional tende a intrigar menos os macroeconomistas, mais entusiasmados com o vai e vem dos juros, com os cenários de sustentabilidade fiscal, com os comunicados dos bancos centrais e dos ministérios da Fazenda. Como macroeconomista, confesso que esses temas tornaram-se supremamente desinteressantes — sobretudo a política monetária — desde que Trump assumiu o poder. Fascinante é vê-lo brigar com o Canadá por causa do mercado de madeira e do leite ultrafiltrado, com o México por causa do mercado de atum. Fascinante é vê-lo dizer que pretende enterrar o Nafta (o acordo comercial entre México, EUA, e Canadá, em vigor desde 1994) num dia, e mudar radicalmente de posição no dia seguinte porque fora “persuadido pelos líderes do México e do Canadá”, pessoas que ele diz admirar muito. Fascinante ainda é vê-lo vociferar contra o Korus, o acordo de livre comércio com a Coreia do Sul, enquanto a terra treme ao norte do país asiático. Fascinante é vê-lo assinar decretos para investigar as compras americanas de aço e alumínio estrangeiro por motivos de segurança nacional. Imaginem se a “segurança nacional” vira mote para o protecionismo mundo afora?
Talvez não seja sequer preciso imaginar. O Brasil anda dizendo por aí, em todos os fóruns internacionais que frequenta, que aberto está ao livre comércio. Aos quatro ventos anuncia que se inaugura nova era no país, em que o objetivo será buscar acordos com diversos países, a maior integração com a América Latina, a finalização das negociações com a União Europeia, a mesma que não vai a lugar algum há mais de 18 anos. Contudo, flerta com as mesmas péssimas ideias de Trump, o que não deveria surpreender. Afinal, protecionismo e retrocesso fazem parte do DNA nacional. Disse recentemente o ministro da Agricultura que o Brasil está considerando a imposição de tarifas ao etanol importado dos EUA. Por qual razão? Porque houve aumento expressivo das compras do produto. O argumento segue a mesma linha de raciocínio, se é que é possível chamar isso de raciocínio, de Donald Trump. Pretende assim o Brasil fazer duas besteiras com uma cajadada só: elevar o já elevadíssimo grau de protecionismo nacional, e, de quebra, comprar uma briga com Donald Trump. Maurício Macri passeia todo sorrisos por Washington ao lado de Trump, e o Brasil quer provocar a fera sem qualquer necessidade — afinal, todos sabem que Trump apenas se irrita com os países com os quais os EUA têm déficit comercial. Conosco, os EUA têm superávit, o que significa que estávamos supostamente a salvo até que a brilhante péssima ideia de Blairo Maggi virou notícia internacional.
Será que adianta dizer que o mercado de etanol brasileiro está na situação em que está devido às péssimas políticas energéticas dos últimos anos? Os subsídios à gasolina, as medidas que impediram que o etanol brasileiro florescesse como potência exportadora ao longo dos anos em que os preços do petróleo andaram demasiado elevados? O Brasil destruiu uma das suas maiores promessas desde a criação da Embrapa porque é campeão no quesito desperdício de oportunidades. Agora pretende chamar a atenção do mundo, e a do homem laranja que saliva por uma briga comercial, com uma ideia para lá de péssima. Dá para parar, por favor?
Macroeconomistas que não escrevem mais sobre macroeconomia agradecem. Tenho certeza de que brasileiros de bom senso também o fariam, se lhes fosse dito às claras os custos que o Brasil tem pago pelas malditas ideias protecionistas que não consegue abandonar.
Fonte: “Zero hora”,
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