As reformas ora em discussão no Congresso reduzirão o custo Brasil e merecem todo o apoio
No artigo Política industrial, um debate necessário, publicado neste espaço em 11 de abril, sugeri um amplo debate sobre essa questão. Algumas medidas que mencionei, inspiradas em trabalhos da OCDE e do Banco Mundial, foram interpretadas de forma equivocada. Reitero de maneira mais clara o que procurei mostrar.
Não cabe aqui discutir os fatores que fizeram a participação da indústria cair de 25% para cerca de 10% do produto interno bruto (PIB) nos últimos 30 anos. Essa desindustrialização precoce causou o fechamento ou a transformação de muitas das nossas empresas em importadoras e comercializadoras, aumentando assim o desemprego.
Concordo com o presidente da Mercedes Benz, Philip Schiemer, que diz que “o modelo de negócios com base em incentivos reflete um Brasil antigo, de mercado fechado, protecionista. Pode funcionar hoje, mas não vai garantir a sobrevivência, nem o crescimento da indústria”. A Comissão de Economia do Senado discutiu longamente essa questão, nessa mesma linha, na semana passada.
O modelo vigente de apoio governamental ao setor industrial está esgotado. Por falta de recursos financeiros, em razão especialmente das limitações derivadas do ajuste fiscal, ficou inviável continuar com desonerações, incentivos, abuso de medidas de defesa comercial (antidumping) e créditos subsidiados. Em consequência dos descumprimentos de regras internacionais, as políticas discriminatórias de créditos fiscais e de conteúdo local seguidas até aqui começam a ser contestadas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), justamente por serem discriminatórias, e terão de ser mudadas. Por outro lado, políticas governamentais equivocadas e ineficientes aumentam o custo Brasil, o que torna a produção nacional pouco competitiva.
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Não há problema em o governo desenvolver políticas de apoio à indústria, como fazem a Índia, a China e agora os EUA, desde que elas reflitam as mudanças que estão ocorrendo no mundo. É fundamental o apoio à inovação e à promoção de novas tecnologias e de vantagens comparativas, à infraestrutura e ao investimento externo em áreas de interesse do país. As isenções fiscais podem vigorar durante um número limitado de anos e os créditos diretos para financiamento devem ser compatíveis com as regras internacionais. Formas de incentivos à P&D e incentivos a setores industriais de elevada produtividade são possíveis, quando relacionados ao Imposto de Renda da pessoa jurídica e às contribuições sociais e/ou imposto salarial, desde que não sejam discriminatórios. Medidas para facilitar a inserção das empresas nas cadeias produtivas regionais e globais serão necessárias, sempre que não repitam a política de “campeões nacionais”.
O governo Temer mudou o discurso de fechamento da economia e de prioridade para o mercado interno. A intenção agora é negociar acordos comerciais do Mercosul/Brasil com países de fora da região, como Japão, Coreia do Sul e Canadá, expondo a economia à competição. Nunca é demais repetir que o início de negociações de acordos comerciais não significa a abertura da economia de imediato, porque produtos sensíveis serão liberalizados com tarifa zero só ao final do processo, ou seja, em 10 ou 15 anos.
O esforço para retirar o Brasil do isolamento nas negociações comerciais e permitir que o país possa inserir-se nos fluxos dinâmicos da economia e do comércio exterior vai exigir mudanças significativas visando ao ajuste das políticas e regulamentações às novas tendências globais. Os novos acordos comerciais deixam em segundo plano os programas de desgravação tarifária e acentuam a negociação de regras que têm impacto na formulação de políticas econômicas internas, como compras governamentais, propriedade intelectual, empresas estatais, investimentos e normas técnicas. A transparência e a obrigatoriedade do seu cumprimento são compromissos assumidos pelos países, sujeitos a punições rapidamente aprovadas por mecanismos de solução de controvérsias previstos nos próprios acordos.
A indústria enfrenta o grande desafio de ter de lidar com problemas de curto prazo para sobreviver, sem saber como vai enfrentar os desafios de médio e longo prazos representados pela redução gradual do custo Brasil e pela abertura da economia que será uma consequência da decisão de negociar acordos comerciais de nova geração. As reformas em discussão no Congresso (Previdência social, trabalhista e tributária) reduzirão esse custo e merecem todo o apoio para sua aprovação.
O setor industrial tem defendido bandeiras importantes de curto prazo para ajudar as empresas na difícil conjuntura que atravessamos: contra o aumento dos impostos e o câmbio apreciado, aprovação das reformas estruturantes, a aceleração da queda da taxa de juros e a simplificação da concessão de crédito, especialmente para a pequena e a média empresas. A próxima luta de médio e longo prazos será enfrentar o desafio da melhora da competitividade, ao mesmo tempo que o país busca voltar a inserir-se na economia e no comércio globais, com todo o impacto que essa nova visão poderá acarretar.
É difícil superar a cultura da utilização de medidas protecionistas no âmbito do governo e do setor privado, especialmente no atual momento, de grave crise econômica interna, com pesado ônus para a indústria, e pelo efeito demonstração de outros países, em especial dos EUA, que, a título de defender suas empresas e o emprego, tomam medidas claramente restritivas, em muitos casos, contrárias às regras da OMC.
A discrepância entre o discurso público de uma empresa, a favor do livre-comércio e da abertura, e sua prática, na defesa de medidas protecionistas e restritivas às importações, terá cada vez menos espaço pelas limitações que a realidade está impondo ao governo e ao setor produtivo e exportador.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 09/05/2017
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