À medida que chegamos próximos à expiração do coronavoucher e dado o fracasso dos programas de sustentação do emprego, cresce a demanda da sociedade e, por consequência, do Congresso por uma nova expansão de gastos públicos. Desta vez, porém, de forma permanente.
Enquanto o cenário internacional é de extrema liquidez, fechar o ano com um déficit primário de 10% e dívida de 100% do PIB parece natural. Inferir que esse será o “novo normal” quando o mundo voltar a crescer é abusar da extrapolação.
Aqueles que acham que haverá financiamento eterno a custo zero haverão de achar normal o mundo sair da crise e nós continuarmos empacados.
A estabilidade da dívida demandará superávits primários de 2,5% a 3,5% do PIB. A forma de alcançá-los suscita algumas questões. Qual é a combinação ótima entre aumento de impostos e cortes de gastos? Qual é a perda de produto e de emprego associada ao ajuste fiscal? Qual é o custo de acomodar mais gastos com aumento de impostos?
A literatura a esse respeito fornece uma ampla evidência de que ajustes fiscais baseados no lado dos gastos têm menos probabilidade de serem revertidos e levam a reduções mais duradouras da relação dívida/PIB do que os ajustes baseados em aumento de impostos.
Alberto Alesina, professor de Harvard que infelizmente acaba de nos deixar, tem inúmeros trabalhos empíricos mostrando que reduções do gasto são geralmente correlacionadas com uma desaceleração menor do PIB do que ajustes fiscais baseados em aumento de impostos.
Em alguns casos, o crescimento pode passar a ser até mesmo maior do que nos anos anteriores ao aperto dos gastos. Episódios de ajustes fiscais expansionistas são prováveis de ocorrer quando acompanhados por políticas orientadas para o aumento da produtividade, como reformas no mercado de trabalho e abertura comercial.
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Ao lado de Francesco Giavazzi e Carlo Favero, em “Austerity: When It Works and When It Doesn’t”, Alesina analisou 170 planos de austeridade, em 16 países, ao longo de três décadas. Da pesquisa depreende-se que um corte de gastos da ordem de 1% do PIB reduz o crescimento em apenas 0,5 ponto percentual. Já uma alta de impostos equivalente a 1% do PIB resulta em uma queda na expansão da economia de 3 ou 4 pontos percentuais.
Os recentes episódios de austeridade, após a crise financeira, confirmam essa grande assimetria. Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda e, em menor grau, Itália e Reino Unido passaram por ajustes fiscais em 2010. Os que aumentaram impostos sofreram recessões mais profundas em comparação com aqueles que cortaram gastos.
Entre os melhores resultados, está a Irlanda, que fez um corte de despesas significativo, apesar de seu enorme programa de resgate bancário, e o Reino Unido, que foi até mesmo criticado pelo FMI por não ter adotado o aumento de impostos proposto pela instituição.
Reformar os gastos é ainda mais imperativo para o Brasil, pois qualquer acréscimo de despesa exigiria mudanças na regra do teto de gastos, nossa única âncora fiscal.
Com mais de 94% dos gastos obrigatórios, é impossível aumentar o dispêndio sem minar a confiança na sustentabilidade fiscal. Apesar desse quadro, a reforma administrativa, que atinge privilégios e gera produtividade, não está na lista de prioridades do governo.
Não há mais disposição de fazer andar a PEC Emergencial, que permite acionar vários gatilhos, preservando o teto. Até mesmo o ministro da Economia argumenta que este não é o momento de tirarmos dinheiro da economia.
Do lado tributário, uma ampla reforma, com vista ao aumento da eficiência e da progressividade, aventada antes da Covid, perdeu força.
O presidente fala em reforma enxuta. O que vemos, então, são propostas de aumento de carga, via Imposto de Renda, imposto sobre lucros e dividendos, CSLL, criação de impostos sobre grandes fortunas e até mesmo a volta da CPMF.
O populismo econômico floresce justamente durante recessões severas e em governos fracos politicamente. Trocar a agenda de reformas estruturais por uma de aumento da carga tributária deverá, muito provavelmente, reduzir ainda mais nossa capacidade de recuperar a economia. Esse sempre foi o nosso normal.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 18/6/2020