Em entrevista ao jornal “Valor Econômico”, na quinta-feira passada, a professora da FEA-USP (Fa- culdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo) Leda Paulani, decepcionada com a alteração do regime de política econômica no segundo mandato da presidente Dilma, fez a seguinte pergunta:
“Qual é o problema de um país como o Brasil, pobre ainda, tendo de se construir como nação, fazer um deficit público de 6,7% do PIB? Por que o Japão pode ter 9% de deficit nominal e ninguém acha que o Japão está quebrado, acabado, destruído, descontrolado, sem condição?”.
A resposta à pergunta da professora é que a inflação no Japão é próxima de zero, e a taxa de juros, também. Juros e inflação baixíssimos sugerem que há carência de demanda agregada. Nosso caso é exatamente o oposto. Temos inflação elevadíssima, que deve fechar 2015 na casa de 8,5% ao ano, apesar de os juros reais serem altíssimos. Ou seja, temos excesso de demanda agregada.
Se perguntarmos por que há carência de demanda agregada por lá e excesso por aqui, chegaremos à taxa de poupança. A taxa de poupança no Japão será em 2015, segundo a mais recente avaliação do FMI, de 23% do PIB. Para o Brasil, segundo a mesma fonte, o número será de 15%.
A diferença de oito pontos percentuais entre o Japão e o Brasil é enorme! O motivo é que o Japão tem uma população muito envelhecida e taxa de crescimento populacional negativa. É natural que a taxa de poupança seja relativamente baixa para economias com relativamente muitos idosos.
[su_quote]O Brasil, ao contrário, do ponto de vista demográfico, encontra-se no período em que a taxa de poupança deveria ser máxima[/su_quote]
O Brasil, ao contrário, do ponto de vista demográfico, encontra-se no período em que a taxa de poupança deveria ser máxima. Assim, a taxa de 15% do PIB hoje é ridícula comparada à de 20% que tínhamos nos anos 1970, quando a proporção de crianças era muito maior.
Também é ridícula se compararmos com mais de 30% de taxa de poupança que o Japão apresentava quando estava sendo construído e com os 23% que o envelhecido país tem hoje.
Para entendermos a carência de demanda agregada no Japão e o excesso de demanda agregada no Brasil, temos que olhar não somente a elevada poupança lá e a baixa cá mas também o investimento – que, relativamente à poupança doméstica, é baixo lá e elevado aqui. A taxa de investimento no Japão será em 2015, segundo o FMI, de 21% do PIB, abaixo da taxa de poupança de 23%. Para o Brasil, o investimento será, segundo a mesma fonte, de 19%, bem acima da poupança, de 15%.
Lá temos elevada poupança, investimento baixo, apesar de superior ao brasileiro, juros baixos e inflação baixa. Aqui temos poupança baixa, investimento (relativamente) elevado, juros elevados e inflação alta. A produtividade do trabalho lá é quatro vezes a nossa, e a posição líquida internacional de investimento do Japão é credora. Fica evidente o porquê de eles poderem ter deficit de 6,7% do PIB lá e nós não podermos aqui!
Nos seis anos que vão de 2009 até 2014, tentou-se baixar os juros na marra e aceitar um “pouquinho” mais de inflação, além de inúmeras outras medidas. O receituário defendido pela professora na entrevista, a nova matriz econômica, foi adotado por seis longos anos.
Alguns analistas, entre os quais me incluo, atribuem os desequilíbrios de nossa economia e o desempenho ruim no período 2008-2014 relativamente aos demais países da América Latina à nova matriz econômica. Outros, entre os quais a professora, pensam que a responsabilidade é da crise internacional. Debate em aberto na academia.
A entrevista da professora sugere que a alteração do regime de política econômica foi forçada pelo terrorismo do mercado. Longe disso. O tempo da política não espera os acadêmicos pacificarem suas divergências. Os políticos petistas, liderados por Lula, forçaram a alteração da política econômica. Entenderam que a nova matriz econômica deu com os burros n’água e estão tentando salvar 2018.
Na democracia, os políticos têm a penúltima palavra, a última fica com os eleitores. A professora precisa se perguntar por que os economistas ditos de esquerda perderam o debate após seis anos de experimentalismo. A teoria conspiratória do “terrorismo do mercado” não cola.
Fonte: Folha de S. Paulo,
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