O setor de energia elétrica encontra-se numa crise sem precedentes e a solução para que voltemos aos trilhos exigirá medidas muito duras no curto prazo e muito planejamento, gestão e regulação a médio e longo prazos.
Os cenários para 2015, já com um novo governo, serão basicamente dois. No primeiro assumimos que vai chover bastante entre novembro e abril e com isso o abastecimento estaria assegurado. No entanto, para que os reservatórios atinjam níveis mais confortáveis, as usinas térmicas permaneceriam ligadas, o que faria que os preços da energia continuassem muito elevados. No segundo cenário, as chuvas vêm com pouca intensidade durante o período úmido e com isso teremos de decretar um racionamento em abril ou maio de 2015.
O primeiro cenário é melhor por evitar o racionamento, fato politicamente ruim, principalmente no início de um novo governo, mas por outro lado teremos a continuidade de um ciclo de preços muito altos, que têm provocado – e continuarão a provocar – danos irreparáveis aos agentes do setor e à própria economia. Portanto, me parece que o país não resiste a esse cenário de preços em torno de R$ 500 MWh. Uma medida que certamente será tomada para minimizar os problemas decorrentes desse cenário é fixar um novo PLD num patamar bem inferior ao atual R$ 822/MWh.
No entanto, é importante lembrar que alterações no PLD de forma arbitrária e unilateral representam uma nova mudança nas regras do jogo, o que contribui para elevar ainda mais o risco regulatório e a insegurança jurídica que, praticamente, já bateram no teto. O cenário do racionamento tem de ser encarado como possível e nesse caso teremos de fazer do limão a limonada. O racionamento de 2001 custou, a preços de hoje, R$ 25 bilhões, enquanto a atual política de negar os problemas e fazer populismo já ultrapassou os R$ 100 bilhões. Em qualquer dos dois cenários, a solução vai passar por uma grande discussão reunindo os agentes interessados. O correto será criar algo parecido como o Comitê de Gestão da Crise que existiu no governo FHC ou um novo Reseb. Na realidade, o racionamento de 2015 já deveria ter sido feito em 2014 e só não aconteceu pelo fato de a política do setor estar atrelada ao calendário eleitoral.
Essa subordinação ao calendário eleitoral fez o governo errar na forma como publicou a MP 579 e administrar de forma temerária os reservatórios das usinas, que podem chegar ao final de 2014 com níveis entre 15% a 17%. Portanto, com ou sem um racionamento, teremos de colocar ordem na casa e dar início a uma política de transição no setor elétrico até 2018. Em 2018, como uma série de projetos estarão maturados, teremos um equilíbrio entre oferta e demanda com preços competitivos.
Nesse período de transição de 2015 a 2018, o combustível será o gás natural. Para que isso ocorra, o governo precisa ter uma política energética em relação ao gás natural, baseada em cinco pontos. O primeiro seria a EPE aumentar a inflexibilidade das térmicas a gás, colocá-las na base do sistema elétrico e com isso os proprietários dessas usinas poderiam assinar com a Petrobras e outros fornecedores contratos com maiores take or pay. O segundo é terminar com a exigência da empresa fornecedora de gás natural de provar que possui reservas para os próximos 20 a 25 anos. O terceiro seria organizar leilões específicos para o gás natural e permitir o SWAP. O quarto é promover uma política que incentive a cogeração a gás natural, que possui uma maior eficiência do que a própria geração térmica.
Por último, a Petrobras deveria cobrar mais barato o preço do gás associado ao petróleo ao longo desse período de transição, a exemplo do que acontece no Chile, com o GNL. Somente dessa forma garantiríamos o suprimento de energia e passaríamos a ter tarifas mais baixas, em particular, para a indústria. Para compensar possíveis perdas da Petrobras com a redução do preço do gás, bastaria realinhar os preços da gasolina e diesel pelo preço do mercado internacional.
Além do aumento da fragilidade do sistema, as consequências da desorganização do setor têm um custo elevado. Estima-se que somente em 2013 e 2014 sejam gastos quase R$ 80 bilhões em recursos provenientes do próprio sistema elétrico, do Tesouro Nacional e até mesmo empréstimos da CCEE junto ao sistema bancário. E ainda assim, as tarifas ao consumidor têm apresentado reajustes acima de 20%. É fundamental que o próximo governo implemente mudanças na administração do setor elétrico, para que não se repitam os erros dos últimos anos.
A primeira é a necessidade de revogar ou rever a Lei 12.783/13, sob pena de no curto prazo inviabilizar a indústria com tarifas elevadas, processo de judicialização com os atuais concessionários, e, no médio prazo, culminar no fim do mercado livre. A segunda é que a política energética precisa conversar com a política industrial e com a ambiental. A terceira é que precisamos ter um ambicioso plano de uso eficiente da energia. A quarta é que assim como em outros setores da economia, é preciso mudar e modernizar a politica tributária do setor, que hoje é visto como um mero arrecadador de impostos. A quinta é que temos de abandonar o intervencionismo exagerado, voltar a dar mais autonomia e independência para as agências reguladoras e passar a ter um planejamento com previsibilidade, uma gestão que resolva o problema do atraso nas obras e um governo que entenda que se ele quer investidores de qualidade é preciso respeitar o equilíbrio econômico financeiro da empresa e não olhar o lucro como um pecado mortal.
Logo no início do próximo governo, terão que ser decididas as bases da renovação das concessões de 39 distribuidoras, que respondem por 35% do mercado regulado de distribuição de energia nacional e vencem em 2015. Até agora, não há clareza sobre a condução do processo e o risco é se criar uma nova surpresa negativa para o setor. Por outro lado, essa pode ser uma excelente oportunidade para começar a corrigir os rumos do setor.
Fonte: Valor, 23/10/2014.
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