O Supremo propiciou aos seus jurisdicionados mais uma cena de faroeste caboclo esta semana. Penso que o duelo não decorreu apenas da ausência de modos dos ministros, mas sobretudo da tensão entre os baixos padrões de integridade inerentes ao funcionamento do presidencialismo de coalizão e o maior rigor na aplicação da lei decorrente de um sistema jurídico que se tornou mais autônomo e eficiente nos últimos anos.
Há um certo consenso entre estudiosos de política e direito constitucional comparado que misturar presidencialismo com o sistema eleitoral proporcional, que favorece a proliferação de partidos, é tomar um caminho muito arriscado. Isso porque, eleito o/a presidente, terá que barganhar com um parlamento muito fragmentado, onde inevitavelmente não contará com uma maioria estável, especialmente em momentos de crise econômica, o que resultará, mais dia menos dia, em impasse e derrubada do governo.
A experiência brasileira, no entanto, parecia desafiar esse prognóstico. A partir de amplas coalizões, Itamar, Fernando Henrique e Lula governaram com razoável taxa de sucesso. Embora houvesse desconfiança sobre os custos políticos e de integridade para a manutenção de uma base de sustentação coesa, o modelo não parecia se distanciar de regimes parlamentaristas europeus.
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A sorte do presidencialismo de coalizão começou a mudar, no entanto, com o processo do mensalão. Ali ficou claro que a manutenção da base tinha um custo não apenas em termos de distribuição de poder entre as distintas forças políticas, mas também recursos ilegais. Com a Lava Jato, as entranhas do esquema de corrupção que vinha dando sustentabilidade aos últimos governos ficaram expostas.
Não desconsidero que a dimensão do esquema da Petrobras não tenha precedentes. Seria ingênuo crer, no entanto, que diversos réus espalhados pela Esplanada dos Ministérios e pelo Parlamento se comportassem como anjos nas coalizões anteriores, às quais também serviram. O fato é que os mecanismos de integridade ainda estavam engatinhando no início da Nova República. Eram ineficazes, lenientes ou simplesmente capturados pelos governantes de plantão. Veja o caso do governo Quércia, em São Paulo, que deu origem à chamada “república dos promotores”, que lhe garantiu absoluta impunidade.
Na medida em que os mecanismos de integridade foram se fortalecendo e as instituições de fiscalização e aplicação da lei foram se tornando mais autônomas, os esquemas ilegais que contribuíam para o funcionamento seguro do presidencialismo de coalizão foram ficando mais vulneráveis. Parte da classe política demorou para perceber isso ou simplesmente não sabe operar senão no modo corrupção. Agonizava presa ou sob investigação até que erros e fissuras no sistema de Justiça lhe deram novo alento.
O que está em jogo nos duros embates entre Gilmar Ferreira Mendes e personagens distintas, como Joaquim Barbosa, Rodrigo Janot, Herman Benjamin –durante o julgamento da chapa Dilma-Temer–, e agora com Luís Roberto Barroso, não é a reputação desses juristas, mas, sobretudo, uma disputa entre as aspirações de um sistema jurídico mais robusto e as práticas de um modelo político que parece ter se tornado dependente de instituições de aplicação da lei frágeis, omissas e lenientes.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 28/10/2017
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