Nada indica que haverá uma mudança brusca de alianças partidárias no Congresso, mas está ficando cada vez mais claro que os termos em que se estabelecem as coalizões são inaceitáveis e começam a ser recusados pela presidente Dilma Rousseff, mesmo que não seja apenas pela rejeição a esse ambiente baseado em chantagens políticas, mas simplesmente porque ela não tem temperamento para ser colocada contra a parede sem reagir.
O recuo que ela foi obrigada a fazer diante da pressão da base aliada, que a chantageou para que liberasse os restos a pagar de emendas parlamentares, pode ser um ponto de não retorno logo no início do seu governo. Ou ela se submeterá às chantagens, ou montará um Plano B para poder governar sem essa ameaça permanente.
O ex-presidente Lula tentou reagir à entrada do PMDB no seu primeiro governo, tendo vetado um acordo feito pelo então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu.
Mas, convencido de que a política congressual se fazia assim mesmo, foi deixando que as bases de troca de apoio ao governo seguissem a lógica do favorecimento, o que resultou no escândalo do mensalão.
Esse esquema nada mais era do que a compra de votos no Congresso, às vezes com dinheiro vivo mesmo, outras com nomeações e favores diversos.
Depois da crise, optou-se por escancarar o esquema de toma lá dá cá, incluindo no Ministério as duas bandas do PMDB da Câmara e do Senado, deixando de lado lideranças políticas independentes.
A presidente Dilma Rousseff recebeu essa herança da era lulista, que, por ter ajudado a elegê-la, agora cobra seus nacos de poder.
A maior aliança política já formada por um governo desde a redemocratização não significa, no entanto, uma força política para levar adiante um projeto de transformação do país, mas apenas um agrupamento de diversas correntes interessadas em esquartejar o governo para dele tirar o maior proveito político possível.
O assédio fisiológico tem sido tão descarado que a própria presidente Dilma tem reagido mandando avisar, especialmente ao PT e ao PMDB, que não pretende abrir mão da capacidade de decisão presidencial que lhe foi atribuída pelas urnas.
Além do mais, está ficando explícito que setores importantes da aliança, especialmente do PT, tratam sua gestão como um mero intervalo obrigatório entre os governos de Lula, que já seria o candidato natural para a eleição de 2014.
A cordialidade com o PSDB pode ser apenas uma tentativa de marcar posição distinta da de Lula, que, depois de um período em que, ainda sonhava com uma aproximação com os antigos parceiros políticos, decidiu que a separação litigiosa seria mais proveitosa para fortalecer sua imagem de líder.
É verdade, porém, que, sempre que pode, desde o discurso de posse, a presidente Dilma Rousseff faz um apelo à união nacional e ao desarmamento dos espíritos em prol de objetivos maiores.
A carta que enviou ao ex-presidente Fernando Henrique, pela comemoração dos seus 80 anos, e a nota oficial que emitiu sobre a morte do ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza, um dos fundadores do PSDB, são exemplos de civilidade política que ela já havia dado ao convidar FH e outros ex-presidentes para o almoço em homenagem ao presidente dos EUA, Barack Obama, colocando o tucano em lugar de destaque especial.
Assim como se recusou a comparecer ao almoço, Lula não se dignou a enviar os cumprimentos ao seu antigo aliado e amigo que a política distanciou.
Mas as palavras de Dilma, em poucas linhas, desconstroem a estratégia marqueteira montada em muitos anos de embate entre PSDB e PT.
A presidente Dilma Rousseff elogiou por escrito: “(…) o ministro-arquiteto de um plano duradouro de saída da hiperinflação e o presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica”.
Ela destacou também o espírito democrático do homem público, que se traduziu “na crença do diálogo como força motriz da política e foi essencial para a consolidação da democracia brasileira em seus oito anos de mandato”.
Sobre Paulo Renato, foi mais comedida, mas admitiu que ele prestara “relevantes serviços ao país”. Diversas manifestações petistas puseram em destaque o papel do ministro da Educação dos oito anos do governo de Fernando Henrique na universalização do ensino básico e na implantação da cultura de avaliação na educação brasileira, pontos fundamentais para uma renovação que precisaria ser seguida da melhoria da qualidade do ensino que, infelizmente, não atingimos ainda.
Sem dúvida a orientação da presidente Dilma no sentido de desobstruir os canais de entendimento com o maior partido de oposição e o reconhecimento de fatos positivos dos governos tucanos desanuviaram o ambiente político, dando condições para que a presidente resista à chantagem política a que PMDB e PT querem submetê-la.
Também no PMDB já existe um movimento que se amplia, especialmente na bancada do Senado, com parlamentares tentando se diferenciar da moral homogênea (com licença do Marcito) que impera no partido.
O senador Pedro Simon (PMDB-RS) leu da tribuna uma “carta aberta” à presidente Dilma Rousseff para pedir à petista que resista à pressão de aliados para a ocupação de cargos e maior espaço no governo, incluindo expressamente seu partido entre os que assim agem.
Ter “um quinhão” do governo é legítimo, ressalvou Simon, mas não “para tirar vantagem”.
Num ambiente conturbado como esse dentro de sua base aliada, até que uma boa vontade da oposição não é mau negócio para o governo. Resta saber se ela tentará um Plano B ou se aceitará o papel de uma presidente-tampão dominada por uma coalizão política montada por seu mentor.
Fonte: O Globo, 30/06/2011
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