O clima de improviso na equipe de Jair Bolsonaro é patente. Maior sinal disso foi a declaração dada ontem por ele e pelo futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, de que a reforma da Previdência ficará para 2019.
Nada de errado com a decisão em si. Não há mesmo clima para aprovar nada no apagar das luzes da atual legislatura. A intervenção federal no Rio de Janeiro impede a votação de emendas à Constituição enquanto estiver em vigor. O Senado, ao aprovar o reajuste de 16,4% a ministros do Supremo Tribunal Federal, mostrou a Bolsonaro que o clima por lá não está dos mais amistosos.
Diante de tudo isso, é até sensato empurrar as conversas para o ano que vem. O mais preocupante é outro fato. Apenas hoje, quase três semanas depois da vitória na eleição, o futuro presidente da República deverá ser apresentado às propostas para a reforma mais urgente no início do governo. Isso mesmo: até agora, ele não sabe o que será proposto ao Congresso em 2019.
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Pare um segundo para respirar e refletir. A reforma da Previdência tem sido debatida há pelo menos dois anos de modo intenso. Sofreu todo tipo de ataques da esquerda, que chegou a negar a própria existência do déficit previdenciário. Desencadeou reações corporativas no funcionalismo, até naufragar no Congresso, quando veio à tona, um ano e meio atrás, o famigerado diálogo noturno entre o empresário Joesley Batista e o presidente Michel Temer no Palácio Jaburu.
Desde então, a candidatura Bolsonaro cresceu nas redes sociais, derrotou nas urnas todos os partidos políticos estabelecidos e chegou legitimamente ao Planalto. Em nenhum momento da campanha, ele deu algum tipo de satisfação mais sólida a seus 58 milhões de eleitores sobre o que faria na Previdência. Dizia apenas confiar em Paulo Guedes, o “posto Ipiranga” a quem acorria nas questões econômicas.
Como Guedes é um liberal, o mercado deu um voto de confiança a Bolsonaro. Nas raras ocasiões em que foi questionado sobre a Previdência durante a campanha, limitava-se a repetir platitudes. Reconhecia a necessidade – não diga? – e partia para evasivas ou temas que lhe são mais caros, como armas, corrupção ou a agenda conservadora que anima seus fieis nas redes sociais.
Enquanto isso, sua equipe se debatia sobre a viabilidade de implantar um modelo de capitalização, semelhante ao chileno, em paralelo ao estabelecimento de uma idade mínima. Apenas ontem manteve a primeira reunião técnica para tomar conhecimento da metodologia adotada pelo atual governo em suas projeções do déficit.
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Não se sabe se a proposta do novo governo manterá a unificação nos regimes de aposentadoria dos setores público e privado, um dos avanços assegurados na reforma do governo Temer. Muito menos que impacto ela terá nas contas públicas na próxima década. E não se sabe isso por um motivo simples: até agora, nem Bolsonaro conhece os detalhes de sua própria proposta.
Ele apenas afirmou ontem que a reforma da Previdência não deve tratar apenas de “números”, mas será preciso também ter “coração” ao avaliar as mudanças. Não é preciso entender nada de política para saber o que isso significa: está aberta mais uma temporada de lobby para tentar preservar privilégios. Nem para adivinhar a primeira categoria na fila: os militares. O presidente eleito também já se disse simpático a critérios distintos para “trabalhadores braçais”. Por que não professores? Caminhoneiros? Ou frentistas de posto?
Para o novo governo, a reforma da Previdência é essencial por dois motivos. O primeiro é o mais evidente: sem ela não há ajuste fiscal possível. A conta começa a explodir já em 2019. O segundo é ainda mais relevante: sem aprovar uma reforma consistente, capaz de pôr a dívida pública em trajetória de queda, acabará o voto de confiança dado ao novo governo, não apenas pelo mercado financeiro.
A Previdência é o grande teste da capacidade de articulação política de Bolsonaro, Guedes, Lorenzoni e companhia. O sucesso do novo governo depende muito mais dela que do porte de armas, da redução da maioridade penal, do Escola Sem Partido, da mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém e de qualquer outra medida a que Bolsonaro tem dedicado sua atenção. Se estiver interessado em obter mais do que a adulação beócia dos acólitos, ele precisa entender isso.
Fonte: “G1”, 13/11/2018