Há mais de 20 anos, com o país mergulhado no processo de inflação explosiva então em curso, tornava-se difícil até mesmo calcular o retorno real de qualquer coisa, pela complexidade envolvida na escolha do indexador. Quando a inflação é muito alta e em processo de aceleração permanente, o índice que é divulgado num certo dia – defasado em relação à realidade, pela demora natural no processamento da informação – já não refletirá a variação dos preços que estará ocorrendo na data. A percepção de que a inflação de um mês captava a inflação efetivamente verificada no critério “ponta a ponta” com 30 dias de “lag” mostrou-se crucial para a realidade do mercado financeiro. Se, com uma inflação mensal de 40%, a Selic mensal era de 42%, uma aparentemente espantosa taxa real anualizada de 18,6% (1,43 % ao mês) podia se revelar na verdade, ex-post, uma taxa real anualizada negativa de 8% se a inflação efetivamente observada entre o começo e o final do mês fosse de 43% – o que só se conheceria um mês depois.
Nesse contexto, lembro da manchete dramática de um jornal de grande circulação, que ao noticiar um dia particularmente tenso no mercado, no qual a taxa de câmbio tinha dado um pulo, anunciava em letras garrafais: “Dólar a 1.000 antecipa hiperinflação”. Foi na sequência daquele dia que o Banco Central da época tomou uma decisão, cujas consequências perduram de certa forma até hoje: se o problema era a aceleração inflacionária, era necessário adotar uma taxa que, mesmo que a inflação aumentasse durante o mês, ainda fosse uma taxa real expressiva, para evitar uma disparada maior do dólar e a dolarização da economia. Iniciou-se assim a era das taxas de juros reais siderais, que perdurou por duas décadas.
O Brasil hoje, evidentemente, tem uma economia muito mais robusta e organizada que a daqueles anos. O problema é que nos viciamos em juros altos. Em particular, ficamos com parâmetros institucionais incompatíveis com os de uma economia estabilizada com inflação baixa. Um deles, claramente, é representado pelos absurdos “6 % da poupança”, uma distorção que, para ser compensada, leva o Banco Central a ter que definir uma TR igualmente despropositada na direção contrária, para evitar que a caderneta varra com todas as demais aplicações financeiras.
[su_quote]Em um futuro de juros baixos, quem quiser aposentadoria mais alta, terá que contribuir mais[/su_quote]
O outro parâmetro incompatível com os cânones de uma economia estável e madura foi a taxa atuarial dos fundos de pensão, que durante anos e anos foi de 6 % e que as autoridades definiram inicialmente que deveria ser diminuída a partir de 2013, ainda que de forma extremamente suave, na base de quedas de 25 pontos por ano ao longo de 6 anos, até 4,5 %. Essa decisão foi posteriormente modificada, para adequar as taxas à nova alta dos juros observada em 2014.
O fato de os juros terem voltado a aumentar depois do “sonho de uma noite de verão” associado ao curto interregno dos juros baixos e que rapidamente se encerrou, como se diz em espanhol, “sin pena ni gloria”, dá uma sobrevida ao “script” vigente durante décadas. Que “script” é esse? Trata-se de um enredo que permite que indivíduos de rendas mais altas, com maior capacidade de poupança – e me incluo nesse grupo: não estou falando de terceiros – se beneficiem dos juros altos para garantir aposentadorias elevadas com um esforço de poupança não condizente com esse bem-estar futuro num país que se assemelhasse às economias desenvolvidas. Explico: quem mora na Suíça e quer ter uma renda garantida equivalente a US$ 10 mil por mês a partir dos 60 anos, precisa poupar muito ao longo da sua vida. Por quê? Porque o dinheiro rende muito pouco quando aplicado. Já no Brasil, privilegiados como eu podemos nos dar ao luxo de termos a perspectiva de ter uma renda complementar elevada, com uma poupança moderada, porque o mercado financeiro se encarrega de multiplicar as aplicações dos fundos, tema justamente desta série de artigos sobre previdência complementar. Trata-se de um sistema viciado em juros altos. Se quisermos ter um país de juros baixos, onde a taxa real de longo prazo seja, por exemplo, de 2 % ou 3 % a.a., uma das coisas que terá que mudar no futuro é a regra contributiva dos fundos de pensão.
A equação é simples: se, quanto maior o juro, menor precisa ser a contribuição, o oposto vale também: quanto menor for o juro do futuro, maior terá que ser a contribuição dos participantes. Situações em que fundos de pensão prometem a seus assistidos uma renda vitalícia e protegida – e, ainda por cima, precoce! – em troca de uma contribuição relativamente baixa, irão pertencer ao passado. No Brasil antigo, eventuais desequilíbrios eram sanados apelando para a generosidade da “viúva” – o Tesouro – com consequências distributivas perversas.
Hoje, a fiscalização da sociedade e o papel dos órgãos de controle inibem bastante essa possibilidade. Se quisermos juros baixos, temos que nos preparar para o futuro: quem quiser uma aposentadoria alta, terá que contribuir mais. É tão simples quanto isso.
Fonte: Valor Econômico, 8/4/2015
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