Alvo de investigações nos últimos meses por movimentações milionárias de servidores e deputados, a Assembleia Legislativa do Rio ( Alerj ) é suspeita de ter funcionários fantasmas justamente no departamento que cuida das questões do Parlamento com a Justiça. Mais precisamente, 42 servidores comissionados que trabalham — ou ao menos deveriam trabalhar — na Procuradoria da Alerj.
A constatação foi feita por duas procuradoras concursadas da própria Casa que se recusaram a assinar a lista de presença de servidores comissionados que supostamente estariam lotados no órgão. No comunicado à direção-geral da Alerj, em 26 de novembro, Denise Okada Ahmed e Fátima Maria Amaral afirmam que receberam “uma enorme quantidade de cartões de ponto de servidores que não se encontram desempenhando funções neste local”. E que, “a considerar a quantidade de tais cartões, seria até mesmo impossível abrigar todos os servidores no espaço de trabalho disponibilizado para a Procuradoria”.
No documento obtido pelo GLOBO, foram anexadas ainda as folhas de ponto de 42 pessoas que recebem salário, mas não foram vistas no mês de novembro na Procuradoria.
O comunicado foi entregue ao diretor-geral da Alerj, José Geraldo Machado, e remetido ao presidente em exercício da Casa, André Ceciliano (PT). A reportagem esteve ontem no prédio que abriga a Procuradoria, no nono andar de um edifício da Rua da Alfândega, no Centro. Nos 225 metros quadrados destinados a procuradores e assessores, estavam trabalhando, além do procurador-geral, Rodrigo Lopes Lourenço, mais 11 funcionários, número bem abaixo do total indicado nas folhas de ponto.
Processo administrativo
À reportagem, Ceciliano, que preside a Alerj desde a prisão de Jorge Picciani (MDB), em novembro de 2017, afirmou que, logo após ter recebido a denúncia das procuradoras, instaurou processo administrativo para apurar o caso. Ele diz que um resultado deverá ser apresentado até o fim do mês:
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— Assim que identificarmos a real situação desses servidores, vamos tomar as providências necessárias. O que, por vezes ocorre, é que um servidor lotado em algum departamento da Alerj, na realidade, atua em outro setor. Não estou dizendo que é isso o que há nesse caso específico dos 42 servidores da Procuradoria, mas é uma possibilidade.
Procurador concursado desde 1992, Rodrigo Lopes Lourenço assumiu a Procuradoria-Geral da Alerj no dia 30 de novembro, após as denúncias feitas pelas duas colegas de departamento. Ele informou que, além dele e dos outros três procuradores da Alerj, atuam na Procuradoria mais 17 servidores, em sua maioria comissionados. Lourenço diz desconhecer os 42 funcionários que aparecem nas folhas de ponto apresentadas pelas duas procuradoras, o que totalizaria uma equipe de 59 pessoas.
O procurador-geral relata que, para aumentar o controle da frequência de pessoal, publicou uma portaria que criou o Regimento Interno da Procuradoria. Pelo texto, publicado no Diário Oficial de 11 de dezembro, Lourenço determina que “cabe exclusivamente” ao procurador-geral, no caso ele, controlar a frequência dos servidores via cartões de ponto. Já os controles dos estagiários da Procuradoria ficam a cargo de supervisores administrativos designados pelo procurador-geral. Ao responder sobre a quem competia fiscalizar o controle de frequência antes da criação do regimento, Lourenço admite que faltava controle:
— Tenho imensa dificuldade em responder a essa pergunta, pois não exercia nenhuma função de chefia. Além do mais, nunca houve, desde que entrei aqui, em outubro de 1992, uma fiscalização específica para a folha de ponto dos servidores. Logo após minha posse como procurador-geral, publicamos um regimento para disciplinar o controle da frequência na Procuradoria. Vale ressaltar que só funcionários batem ponto. Os procuradores, não.
76% de comissionados
Segundo informações da própria Alerj, a Casa totaliza hoje, em todos os departamentos e gabinetes, 5,5 mil servidores, sendo 4.226, ou 76%, comissionados, nomeados livremente, e 1.274 concursados.
Cada deputado tem direito a ter, em seu gabinete, até 63 cargos, sendo 60 comissionados e 3 concursados. Originalmente, o regimento fala em 17 comissionados, mas cada parlamentar pode desmembrar esses cargos em até 60 postos. O difícil, contudo, é arrumar espaço físico para alocar tantas pessoas dentro da Alerj.
A reportagem visitou ontem gabinetes de dois deputados estaduais. Um tinha seis computadores, um laptop e seis aparelhos de telefone fixo. O outro, dez telefones e sete computadores. Em cada uma das salas não havia mais que 20 cadeiras. Cada deputado estadual pode usar cota de até R$ 54.932,82 para empregar funcionários em seu gabinete. O valor não inclui benefícios como vale-refeição e auxílio-educação.
Por meio de nota, a Alerj afirmou que publicará um ato normativo no Diário Oficial que reduzirá a quantidade de funcionários que cada deputado pode ter em seu gabinete — de 63 para 40. A Assembleia disse ainda que muitos dos servidores lotados em gabinetes de parlamentares não são vistos na Casa pois atuam nas bases eleitorais dos políticos, fora da Alerj.
Fonte: “O Globo”, 24/01/2019