Os debates em torno do que deve ser feito na economia brasileira, definido o quadro eleitoral, no ano que vem, seguem intensos. Os assessores econômicos continuam falando muito, veiculando suas ideias na mídia, sinalizando como cada governo deve agir, qual a postura diante do duro enfrentamento que será o ano de 2015. Sobre estes, destaque para Marcio Holland e Nelson Barbosa, do governo, Armínio Fraga, Samuel Pessoa e Mansueto Almeida, pelo PSDB, e Eduardo Giannetti e os irmãos Rands, pelo PSB.
Além destes, ainda existem outros economistas, que escutam aqui, opinam acolá, possuem amigos nas equipes dos candidatos, mas preferem se manter à distância, mais como observadores independentes, emitindo opiniões, sempre quando demandados. Dois deles chamam atenção pela originalidade das intervenções, Marcos Lisboa e José Oreiro. O primeiro, transitando entre FGV, PUC e INSPER, com experiência na equipe Pallocci no início do governo Lula, o segundo, professor da UFRJ, heterodoxo, mas pouco alinhado com a política econômica atual. Falemos das idéias de ambos.
José Oreiro, no seu texto “Armadilha juros-câmbio”, acha que o país vem crescendo pouco nos últimos anos, devido ao fraco desempenho da indústria, o que torna urgente uma mudança radical da política econômica a partir de 2015. Para ele, o arcabouço da política econômica atual é equivocado como um todo, mas ele não defende a volta do tripé de política econômica, para ele algo ultrapassado. Defende sim um ajuste gradual da taxa de câmbio, chegando próxima a R$ 2,90 ao longo do tempo. Na sua visão, esta seria a intervenção necessária no curto prazo, dada a desindustrialização galopante em curso. A indústria de manufaturados, por exemplo, mais sensível ao câmbio, em 2002 tinha participação de 22,3% no PIB, hoje se limita a 12,5%.
Achamos difícil, no entanto, achar esta taxa de câmbio de equilíbrio encontrada pelo Oreiro. A taxa de câmbio, em regime de “flutuação suja” (ou administrada, com intervenções do Banco Central contra variações abruptas), deve ser vista como uma variável que se ajusta no mercado de divisas, mediante intervenções esporádicas do Bacen, sendo complicado achar um nível ótimo de estabilidade.
Acreditamos que este depende de uma série de variáveis como mobilidade de capitais externos, liquidez internacional, diferencial de taxas de juros e inflação, internas e externas, comportamento da Indústria como um todo, com setores mais eficientes do que outros (produtividades diferenciadas), timing de partida para a apuração (ou seja, a partir de qual período seria apurada a taxa), Custo Brasil, etc. É importante deixar o mercado achar sua taxa de equilíbrio (ou estável), desde que o governo atue com seriedade na condução das políticas econômicas e o ambiente de negócios seja favorável.
Oreiro discorre sobre este debate, em torno da taxa de câmbio, elencando dois pontos, que merecem ser colocados: (1) existem diversas falhas de mercado (profecias auto-realizáveis, comportamento de manada, doença holandesa etc) que fazem com que o câmbio determinado pelo mercado seja diferente do câmbio que maximiza o bem-estar social. Nenhum país deixa o câmbio livre, o que existem são diferenças no grau de intervenção. Recentemente a Suíça pôs um piso para a taxa de câmbio. A China atrela a sua moeda ao dólar. Nisto concordo, sem maiores considerações; (2) é perfeitamente possível administrar a taxa de câmbio sim, mesmo com mobilidade de capitais, diferenciais de juros etc.
Em paralelo, achamos importante também a adoção de uma série de reformas estruturais, como a tributária (reorganizando e simplificando a malha fiscal, desonerando a produção, atraindo investimentos) e a trabalhista (reduzindo o custo de mão de obra, excessivo no país), além da sinalização clara a transparente sobre os rumos da política econômica, passando confiança aos agentes. Enfim, ser crível na condução das políticas econômicas e ações corretivas necessárias são tão importantes quanto o ajuste cambial. Isto se coaduna com o que pensa Lisboa.
Ele é pessimista sobre o futuro da economia brasileira, enxergando “uma deterioração crescente da política econômica e do ambiente institucional, reduzindo o potencial de crescimento da economia e, com ele, do emprego e da renda, no longo prazo”. Para ele, quanto mais adiarmos as reformas necessárias, mais curto será o espaço de manobra do governo na resolução de problemas.
Ele acha que a boa qualidade das políticas fiscal e monetária tende a reduzir os impactos de eventuais ajustes econômicos. Segundo ele, “há um falso dilema entre preservar os ganhos sociais e fazer o ajuste econômico”. O dilema verdadeiro é aquele entre ajustar a economia, com alguns custos sociais temporários reversíveis, ou preservar os ganhos de curto prazo, mas com perdas maiores no futuro. Para Lisboa, “se fizer um ajuste forte em alguns meses para colher os benefícios no longo prazo, a sociedade ganha mais na média; se o ajuste for adiado, o custo depois será muito maior”. De fato, o que observamos é que as soluções mais dolorosas, impopulares, mas urgentes, são adiadas, dado o calendário eleitoral ou a comodidade do projeto de se manter no poder, criando uma situação de solução mais difícil no futuro.
Na opinião de Oreiro, sobre o mix de políticas para a superação da crise, deve-se adotar uma política negociada com os sindicatos, que teriam que aceitar reajustes salariais mais moderados baseados na inflação esperada; um forte ajuste fiscal a partir da definição de uma meta baseada na poupança pública e não no superávit primário. Este arsenal de políticas e medidas viabilizaria a redução gradual da taxa de juros e a desvalorização cambial sem maiores impactos inflacionários. Numa visão de mais longo prazo, o objetivo principal seria obter a chamada “competitividade sistêmica” com pesados investimentos, públicos e privados, em obras de infraestrutura, educação, treinamento e inovação tecnológica.
Lisboa, por outro lado, colocaria os desafios em três níveis, o fácil, o difícil e o muito difícil. No primeiro ele incluiria a política monetária, mesmo com o debate político, desnecessário neste momento, sobre a independência do Bacen. Este, na verdade, acabou por pressionar o governo atual, caso eleito, a ter que adotar uma política monetária mais dura para então recuperar a confiança dos agentes. Mesmo assim, Lisboa não acha a leniência com a inflação o maior dos problemas, visto que alguma credibilidade já foi reconquistada recentemente pelo Bacen.
Sobre o que ele considera difícil estaria o ajuste fiscal, visto que nos últimos meses esta gestão sofreu forte deterioração, neste ano devendo fechar em torno de 1,2% a 1,4% do PIB, quando a meta é de 1,9%. Ele acha, no entanto, que o novo governo tem que perseguir uma meta de 3,0% do PIB, muito complicado diante da baixa arrecadação em 2014 e 2015, a pouca transparência da política fiscal atual e as “bombas de efeito retardado”, como subsídios do BNDES, avais para dívidas estaduais, atraso de repasses de benefícios sociais, realinhamento de tarifas, etc. Lisboa acha essencial que o novo governo tenha um plano claro e crível e trace um ajuste progressivo nas contas públicas.
Por fim, no mais difícil estaria a agenda para desmantelar a política econômica intervencionista e protecionista montada a partir de 2009. Recuperar a produtividade seria o grande desafio do novo governo eleito. Para isto, reformas estruturais se tornam inadiáveis, assim como uma melhoria no ambiente de negócio.
Comentários finais – Concordamos com muitos pontos de ambos os economistas, mas tenho críticas a achar o tripé algo ultrapassado ou perseguir um câmbio de equilíbrio, algo muito subjetivo. Na verdade, conseguir a estabilidade dos considerados preços-chaves da economia deve passar primeiro por ajustar as políticas, melhorar a produtividade, resgatar as reformas estruturantes, dar credibilidade às políticas monetária e cambial e isto passa pela autonomia de atuação do Bacen. Chega-se, portanto, à conclusão que estes preços estão desalinhados porque a economia como um todo está desorganizada e as políticas econômicas são de má qualidade. Primeiro é preciso arrumar a casa, para depois pensar em reduzir o juro, em paralelo, alinhando gradualmente a taxa de câmbio e perseguindo a inflação para o centro da meta. Não é simples, é doloroso, demandará tempo, mas sem isto o governo de ocasião apenas estará adiando o que é importante, talvez pensando no próximo ciclo eleitoral.
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