Apesar de sinalizações mais recentes de que farão a reforma da Previdência, os candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) terão quer dar um ‘cavalo de pau’ no núcleo político de suas campanhas e enfrentar resistências de auxiliares próximos para conseguirem aprovar uma proposta que mexa nas regras de aposentadoria.
O programa de Bolsonaro defende um modelo de capitalização, em que o governo retira os recursos do trabalhador, mas os coloca em um fundo para ser sacado no futuro, com correção. O coordenador econômico, Paulo Guedes, já lembrou que o presidente Michel Temer e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, se ofereceram para tentar votar depois das eleições a proposta de reforma que já foi aprovada em comissão especial (leia mais ao lado).
O vice, general Hamilton Mourão (PRTB), também defendeu, em sabatina no banco BTG Pactual, que a proposta seja aprovada antes da posse do novo presidente. Dois importantes operadores políticos da campanha de Bolsonaro, os deputados Onxy Lorenzoni (DEM-RS), cotado para a Casa Civil, e Major Olympio (PSL-SP), eleito para o Senado, integraram o grupo dos mais duros opositores à reforma de Temer, juntando-se às críticas do PT na Comissão Especial.
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Major Olympio chegou a chamar a proposta de Temer de “PEC do Extermínio”, renegando a existência de rombo nas contas da Previdência. Durante a tramitação, Lorenzoni usou o plenário da Câmara para atacar a reforma de Temer e apresentar uma nova proposta, que chamou de inovadora, do pesquisador Abraham Weintraub, que hoje é um colaborador da campanha. A proposta de aposentadoria “fásica” (em fases) prevê que mais pobres tenham acesso ao benefício mais cedo, com valor inferior ao salário mínimo, aumentando gradualmente.
Proposta petista
O programa do PT diz apenas que serão adotadas medidas para combater “privilégios previdenciários incompatíveis com a realidade da classe trabalhadora brasileira” e que um eventual governo buscará a convergência entre os regimes próprios da União, dos Estados, do DF e dos municípios com o regime geral. No último debate da TV Globo, Haddad disse que tiraria da discussão da idade mínima quem ganha até uma determinada faixa de renda e o trabalhador rural.
No PT, a resistência à reforma é grande, inclusive entre os economistas do partido, que divergem sobre a necessidade de encaminhar a proposta. Haddad pretende levá-la adiante, mas o candidato terá de vencer uma briga dentro do partido, que tem uma base sindical contrária à necessidade da reforma e que defende que o problema da Previdência será resolvido com crescimento econômico e cobrança das dívidas das empresas. Outra ala de economistas avalia que não dá para deixar a reforma para depois.
O candidato do PT já disse a interlocutores, nas últimas semanas, que a reforma da Previdência “não é um tabu” e será feita, caso ele seja eleito presidente, para combater privilégios. Em conversas com investidores e empresários, o petista tem procurado desfazer receios sobre uma eventual administração do PT.
Haddad não detalha as mudanças planejadas, mas diz que, se chegar ao Planalto, retomará primeiro o debate sobre o regime próprio da Previdência, consultando governadores e prefeitos. Aos interlocutores, o petista afirma que fará o “ajuste necessário” das contas públicas, para garantir sustentabilidade ao sistema.
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“Esse tema não comporta bravatas nem voluntarismo e tem como norte o seguinte: não vamos causar problemas para os trabalhadores”, afirmou o ex-ministro Ricardo Berzoini, um dos coordenadores da campanha de Haddad. Berzoini comandou a Previdência durante um ano (2003-2004), no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
Militares
Para o consultor legislativo do Senado especialista em Previdência, Pedro Fernando Nery, o novo desafio para o avanço da reforma é o elevado número de policiais militares eleitos no domingo. Esse grupo, ao lado das Forças Armadas, é historicamente resistente à reforma. “Há muito estigma e aversão à proposta de Temer”, diz o economista, que lembra que a vantagem de aproveitar a proposta é a economia na longa etapa de tramitação de uma emenda constitucional.
Maioria dos deputados que votaram pela reforma não se reelegeu
Mesmo tendo ficado à margem nas discussões eleitorais do primeiro turno, o fracasso da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados reverberou nas urnas. Dos 23 parlamentares que votaram a favor da Proposta de Emenda à Constituição, que modifica as regras para concessão de aposentadoria e pensão na Comissão Especial da reforma, apenas cinco continuarão no Congresso pelos próximos quatro anos. Já dos 14 que votaram contra, 10 conseguiram se reeleger.
Durante a tramitação da PEC, era recorrente o alerta dos opositores da reforma sobre o risco de derrota das urnas nas eleições deste ano. Muito parlamentares favoráveis à reforma disseram na época que votariam contra a proposta pela proximidade com as eleições.
A aprovação da reforma da Previdência na Comissão Especial ainda em 3 de maio de 2017 por uma ampla margem – 23 a 14 votos – sinalizava o caminho aberto para a votação da PEC no plenário. Mas o vazamento de áudios de conversas entre o presidente Michel Temer e do dono da JBS, Joesley Batista, 14 dias depois, acabou sepultando as tentativas de votação do texto.
Passados 17 meses daquela votação na comissão, a maioria dos deputados que garantiram a vitória do governo não conseguiu vencer nas urnas. O relator da reforma, Arthur Maia (DEM-BA), é um dos poucos que receberam mais um mandato dos eleitores. Os outros reeleitos foram Bilac Pinto (DEM-MG), Magda Mofatto (PR-GO), Junior Marreca (Patriotas-MA) e Vinicius Carvalho (PRB-SP).
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Levantamento feito pelo Estadão/Broadcast mostrou que a lista dos derrotados nas urnas é extensa, formada por 14 deputados, incluindo um dos principais nomes da “tropa de choque” de Temer na Casa, Darcísio Perondi (MDB-RS).
Outros cinco integrantes nem chegaram a concorrer nas eleições deste ano. Alexandre Baldy (PP-GO) e Carlos Marun (MDB-MS), porque ocupam, respectivamente, os Ministérios das Cidades e da Secretaria de Governo. Já Reinhold Stephanes (PSD-PR), Evandro Gussi (PV-SP) e Thiago Peixoto (PSD-GO), optaram por não disputar um novo mandato.
‘Injustiça’
Para o presidente da Comissão Especial na época, o atual ministro da Secretaria de Governo, Marun, foi uma “evidente injustiça” a derrota nas urnas dos apoiadores da reforma.
“Talvez não tenha havido entendimento sobre a necessidade de aprovação da reforma”, avaliou. Segundo ele, se a reforma tivesse sido aprovada, as pessoas teriam vivido uma melhoria econômica.
O ministro disse que só vai ser possível colocar o texto em votação se o presidente eleito tiver disposição e também entender a reforma como necessária. “Existe a nossa disposição. O presidente Temer gostaria de aprovar a reforma. Não vamos, logo após uma eleição, avançar numa atitude, numa área tão nervosa como essa, sem que haja respaldo”, afirmou. “Quem quiser governar com responsabilidade vai ter de fazer a reforma. Se conseguir fazer este ano vai ter ganho no ano que vem”, completou.
Para a equipe de Temer, a incoerência entre os responsáveis pela economia no programa de Bolsonaro e os aliados políticos do capitão reformado é um impedimento à aprovação do texto que coloca, por exemplo, a exigência de idade mínima de 65 anos (homens) e 62 (mulheres) para se aposentar no País, com um regra de transição de 20 anos.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”