Saíram no mês passado os novos resultados da Prova Brasil. E não há como não comentá-los, identificando os problemas e contradições visíveis. Não por acaso, o Ministério da Educação pôs em relevo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), no qual pôde destacar alguns avanços, e não a Prova Brasil. É aí que mora o perigo. Causa, assim, estranheza o barulho feito.
De norte a sul, as notas permanecem estáveis e estabilizadas num nível muito baixo. Em Língua Portuguesa e Matemática, no 5.º ano houve aumento de aproximadamente 5 pontos na rede pública. Nas demais séries, nada digno de nota. Os 5 pontos na Prova Brasil não passam de flutuação estatística. O aumento de 2009 a 2011 foi bem menor que de 2007 a 2009, apesar de avanços nas variáveis extraescolares, como melhoria do nível socioeconômico das famílias, anos de escolaridade das mães e acesso à pré-escola.
Continuam os fossos. O setor privado faz enorme diferença nas séries finais do ensino fundamental: 282 versus 236 pontos em Língua Portuguesa e 278 versus 237 em Matemática. É a diferença entre ter ou não futuro, fazer ou não ensino médio, já que não temos o profissionalizante como opção.
Regionalmente, há dois Brasis na rede pública: 215 pontos no Sul maravilha e 171 no Nordeste. Isso significa que os alunos do 5.º ano no Nordeste, em média, se equivalem aos de 2.º ano no Sudeste, Sul ou Centro-Oeste. Destaque para Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, onde as redes estaduais e municipais tiveram mais de 10 pontos de ganho nas séries iniciais.
O caso de Brasília deve servir de alerta. Já em 2005 os alunos do 5.º ano tiveram 185 pontos em Língua Portuguesa, perto da média atual dos municípios. Todavia suas médias nas séries finais não avançaram desde então, o que provavelmente sugere que o piso ainda está baixo.
As redes municipais das capitais Manaus, Salvador e Campo Grande melhoraram em Língua Portuguesa e Matemática. Já em Boa Vista e Natal, apenas em Língua Portuguesa. Fortaleza, Cuiabá e Rio de Janeiro, em Matemática. O Rio de Janeiro também se saiu melhor em Matemática considerando os resultados da 8.ª série. Em termos de redes estaduais e de capitais, isso é o que dá para comemorar.
Por que os resultados resistem a mudanças? Será que a educação não melhora por causa das políticas em curso ou porque há boas políticas, mas não foram implementadas? Os dados da Prova Brasil e a experiência internacional sugerem que a primeira hipótese é a correta. É o foco errado das políticas em curso que pesa negativamente. Tanto que as exceções se situam sempre em escolas isoladas, e não em redes de ensino. E quando uma rede melhora e a outra também, isso aponta para fatores extraescolares.
A experiência internacional de reformas educativas nos permite identificar quatro lições. Primeira: os avanços em educação não são graduais, tendem a ser abruptos, como resposta a intervenções vigorosas. A ideia de metas de avanço gradual não encontra apoio nos exemplos dos países bem-sucedidos.
Segunda: os avanços, no geral, se dão de baixo para cima. Para mexer no andar de cima é preciso consertar os problemas da base. Nenhum país faz tudo de uma só vez. O ponto de partida é assegurar a alfabetização ao final do 1º ano.
Terceira: mesmo com avanços na base, é necessário diversificar o ensino médio, o que é diferente de reduzir o número de disciplinas, como precipitadamente anuncia o governo em face dos resultados colhidos. As medidas anunciadas são preocupantes. De um lado, sugerem que, como a temperatura está quente, se pretende mudar o termômetro, trocando a Prova Brasil pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). De outro, permanece a incapacidade do País de entender que há duas questões envolvidas antes de se falar em avaliação: uma é a diversificação e a outra, a simplificação dos currículos do ensino médio. Nada disso está na pauta e o açodamento pode piorar algo que já é ruim. À falta de um protagonismo do governo federal, os Estados poderiam promover avanços, mas continuam presos à ideia do ensino médio igual para todos.
Quarta: educação só funciona com qualidade quando se consegue atrair e manter jovens talentosos na carreira. Portanto, em matéria de reforma educativa estamos na estaca zero e esbarrando no limite da melhoria possível do sistema atual, como revela a Prova Brasil. Quem acredita que o PDE e o PNE são propostas de reforma educativa também deve acreditar em Papai Noel.
Reformar a educação não é fácil. O estrato mais rico da população e as autoridades maiores estão satisfeitos com os avanços obtidos. As elites, míopes, continuam a se beneficiar da mediocridade geral e permanecem insensíveis às mazelas da educação pública. Não leram Solzenitzen e acreditam que poderão salvar-se sozinhas, sem que o Brasil tenha uma escola republicana para todos.
As corporações dominam os Parlamentos, vitimizam o professor e, com suas demandas associadas a uma desastrada gestão de pessoal, vêm contribuindo para inviabilizar o funcionamento das operações escolares. Para os executivos estaduais e municipais é menos arriscado atuar no varejo e promover ações visíveis – construir creches, comprar ônibus, reformar escolas, expandir o tempo integral, inaugurar quadras esportivas – ou ceder a pressões para implementar programas e projetos de efeito pirotécnico. O corporativismo no topo e o clientelismo na base inibem maiores arroubos.
Quem sabe, sementes de melhoria poderão encontrar-se em nosso federalismo desconjuntado. O pior que podemos ter agora são consensos e pactos, pois nossa experiência não é das mais positivas. Cabe fomentar iniciativas de comprovado sucesso. Infelizmente, corremos o risco de ser atropelados por medidas centralizadoras, açodadas e de caráter pontual, que desestimulam o que comprovadamente funciona.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 03/09/2012
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