As causas técnicas da tragédia de Santa Maria ainda são imprecisas e certamente serão objeto de vasta perícia. Uma conclusão, no entanto, parece inescapável. Negligência, imprudência e desrespeito à lei caminharam de mãos dadas naquela noite.
Como era de se esperar, tão logo surgiram as primeiras notícias começou o clamor por mais regulação e mais burocracia, como se o problema fosse falta de leis. Ao contrário, aqui elas abundam e talvez por isso sejam tão ineficazes.
Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), desde 5 de outubro de 1988 (data da promulgação da atual Constituição Federal), até 5 de outubro de 2012 (seu 24º aniversário), foram editadas 4.615.306 normas que regem a vida dos cidadãos brasileiros. Isto representa, em média, 788 por dia útil.
Trata-se de um evidente exagero, alimentado por uma lógica perversa segundo a qual a eficiência de políticos e burocratas seria diretamente proporcional à quantidade de leis editadas, ainda que amplamente desrespeitadas.
Já notaram que o primeiro item do currículo de qualquer candidato à reeleição é justamente o número de projetos de lei propostos?
Diante dessa voracidade legiferante, resulta impossível a qualquer um conhecer o inteiro teor de uma determinada legislação. A existência de direitos e deveres pouco nítidos transforma os brasileiros em personagens kafkianos, reféns de processos burocráticos absurdos e totalmente vulneráveis à ação de agentes públicos mal intencionados, especialistas em criar dificuldades para vender facilidades.
Não foram poucas as vezes, ao longo da história em que leis elaboradas com as melhores das intenções acabaram gerando incentivos perversos e consequências imprevistas, não raro na direção oposta à planejada.
Se a velha indústria de alvarás ainda corre solta e muita gente insiste em operar sem as devidas licenças, ao arrepio da legislação, mesmo com todos os riscos que isso representa, é porque o funcionamento regular é praticamente inalcançável. Como ensinam os economistas, os incentivos fazem toda a diferença.
O antigo filósofo chinês Lao Tsu já dizia que, quanto mais restrições artificiais impuserem ao povo mais ele será empobrecido; e quanto mais regulamentos houver, mais se estimularão as fraudes, os roubos e outros ilícitos.
As normas devem ser poucas, simples e objetivas, a fim de facilitar não só a sua aplicação como também a fiscalização. Não por acaso, os advogados competentes sempre acabam encontrando, na própria legislação, brechas que livram a cara de eventuais infratores. O fato é que de nada adiantam as leis se não puderem ser aplicadas com rigor.
Alguns dirão que, à medida que a sociedade cresce, as normas devem se multiplicar, a fim de que a ordem seja mantida. Ledo engano.
Fonte: O Globo, 03/02/2013
“O único poder que qualquer governo tem é o de reprimir os criminosos. Bem, então, se não temos criminosos o bastante, o jeito é criá-los. E fazer leis que proíbem tanta coisa que se torna impossível viver sem violar alguma. Quem vai querer um país cheio de cidadãos que respeitam as leis? O que se vai ganhar com isso? Mas basta criar leis que não podem ser cumpridas nem ser objetivamente interpretadas, leis que é impossível fazer com que sejam cumpridas a rigor, e pronto! Temos um país repleto de pessoas que violam a lei, e então é só faturar em cima dos culpados.”
Any Rand em A Revolta de Atlas