Houve época em que a reunião do Fórum Econômico Mundial aqui em Davos era um encontro que praticamente definia os caminhos do capitalismo mundial. A crise econômica que domina o mundo desde 2008, no entanto, retirou de Davos essa prerrogativa, resumindo as reuniões seguintes a debates estéreis sobre como sair da crise, sem que surgissem ideias criativas ou soluções viáveis.
Para um encontro que supostamente reúne as melhores cabeças e os líderes do sistema capitalista, não ter captado a crise que se avizinhava foi uma lição de humildade, a começar pelo reconhecimento tardio de que o mercado por si só não é capaz de corrigir seus excessos.
Registrei aqui na coluna que não se via tanto mea-culpa desde que, em outubro passado o ex-presidente do Banco Central americano Alan Greenspan, confrontado por um congressista americano, admitiu, “chocado”, que o modo de vida capitalista não deu certo, e se disse “surpreso” de constatar que o mercado não conseguiu se autorregular, e que as pessoas não conseguiram trabalhar em seu próprio benefício, refreando os excessos do sistema financeiro.
O ano seguinte à quebra do Lehman Brothers foi marcado pelo paradoxo de defender o livre mercado e o sistema capitalista e, ao mesmo tempo, admitir que somente uma vasta intervenção dos governos nacionais poderia tirar o mundo da crise sistêmica em que se encontrava.
O que se viu aqui em Davos nesses anos foi uma imensa catarse, com temas como regulação do mercado financeiro e a necessidade de maior transparência, que já foram considerados tabus, sendo prioritários.
Este ano, o Fórum Econômico está tentando dar um passo à frente de maneira ousada, defendendo a necessidade de repensar o capitalismo que, na definição de Klaus Schwab, o presidente do encontro, está morto da maneira que o conhecemos até hoje.
Nesse sentido, o tema central do encontro, “A grande transformação, criando novos modelos” é mais que simples retórica, é uma tentativa de descobrir novos caminhos em meio à crise que não dá sinais de terminar.
Os organizadores admitem que não existe um modelo conceitual a partir do qual se desenvolva um entendimento sistêmico das grandes transformações que estão ocorrendo no momento, e as que ainda ocorrerão.
Eles chamam a atenção para o desafio de liderança, que, de maneira quase dramática, descrevem como requerendo novos modelos, ideias ousadas e coragem pessoal para garantir que este século melhorará a condição humana, em vez de limitar seu potencial.
A ambição do Fórum Econômico Mundial é que os líderes que ele reúne retomem seu propósito central, que seria o de definir o que o futuro deveria ser, alinhando os acionistas e as empresas que dirigem para a realização desse objetivo.
Os diversos painéis dos cinco dias do encontro tratarão, claro, de temas concretos sobre como reequilibrar e desalavancar a economia, e reorganizar o mundo capitalista de maneira a que os países desenvolvidos saiam da crise sem quebrar, e os emergentes possam ajudar a recuperação mundial e ganhar novos espaços nos centros decisórios.
Mas o que importa mesmo para os organizadores do Fórum é o resultado final, que esperam seja transformador nas mudanças sociais.
Para sublinhar a preocupação, líderes internacionais que fazem parte do Grupo de Questões Globais do Fórum, como Roberto Zoelick, presidente do Banco Mundial, Christine Lagarde, do FMI, e Pascal Lamy, da OMC, soltaram um documento apelando para uma ação conjunta em face dos “significantes e urgentes” desafios que o mundo enfrenta, com ameaças ao seu crescimento e à coesão da sociedade.
Os signatários do documento declaram-se “preocupados” com a desaceleração do crescimento global e aumento da incerteza.
O alto desemprego, especialmente entre a juventude, é uma preocupação central, pelas consequências econômicas e sociais negativas.
A economia, diz o documento, poderia readquirir força apoiando as mudanças que estão em curso nos países emergentes ajudando nas necessidades de infraestrutura em diversas partes do mundo e começando a tornar realidade a promessa de uma “economia verde”.
Para tanto, defendem uma série de medidas, como um sistema aberto e livre de comércio, financiamentos governamentais, com projetos de reformas estruturais, e o combate à desigualdade em todos os países.
Algumas reformas prometidas e nunca realizadas, como a do setor financeiro, e uma renovada cooperação internacional seriam medidas necessárias para a criação de um ambiente propício à recuperação econômica.
O documento cita o Plano de Ação para o crescimento e empregos aprovado em novembro pelo G-20 como uma “sólida fundação” sobre a qual se deve trabalhar.
No curto prazo, para resolver o débito soberano e a crise bancária, seria preciso restaurar a confiança nas instituições financeiras, o que só seria conseguido através de medidas como uma reforma regulatória aceita internacionalmente; recapitalização de bancos onde for necessário; promoção de acesso a capital para pequenos e médios negócios.
Além dos aspectos técnicos para superar a dívida dos países através de ações conjuntas do Banco Central Europeu e outras agências financeiras internacionais, o documento aborda questões políticas essenciais, que interessam especialmente ao Brasil: os países devem se comprometer a não usar métodos protecionistas, assumindo políticas amplas de comércio e financiamento, e também dar exemplos concretos de que as restrições ao comércio introduzidas como resposta à crise serão revertidas.
Com relação ao meio ambiente, o documento defende que a reunião Rio+20 deve ter como objetivo central uma estratégia ampla para o crescimento verde que encoraje inovação e difusão de novas tecnologias, que têm potencial de criar novos empregos.
Fonte: O Globo, 24/01/2012
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