A troca de crescimento por inflação não é estável; com o tempo, o resultado é apenas inflação mais alta
A inflação dos últimos dois anos superou consideravelmente a meta estabelecida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) e, a despeito das promessas do Banco Central, a história deverá se repetir em 2012.
Isso, contudo, não parece ser motivo de grande preocupação por parte dos gestores de política econômica, para quem qualquer número abaixo do limite superior de tolerância vale até comemoração.
Posto de outra forma, não creem haver problema com a inflação acima da meta, já que isso permitiria trabalhar com uma taxa de juros mais baixa e crescimento mais elevado.
À primeira vista, tal escolha parece fazer todo sentido: por que o preciosismo de atingir a meta à custa de uma expansão menor se podemos crescer mais, mantendo a inflação inferior a 6,51%? Entretanto, explorando essa questão mais a fundo, não é difícil concluir que se trata, novamente, da falsa escolha entre inflação e crescimento.
Com efeito, porque parece haver intolerância à expansão do PIB abaixo de determinado patamar, o BC não está disposto a pagar o preço em termos da redução temporária do crescimento requerida para trazer a inflação de volta à meta depois dos exageros cometidos em 2009 e 2010. Assim, não apenas interrompeu o processo de aperto monetário mas reverteu seu curso, apesar dos sinais claros de que a inflação não convergiria para a meta mesmo em 2012.
O impulso monetário decorrente dessa política deve se fazer sentir com toda intensidade a partir do segundo trimestre deste ano, levando à aceleração da demanda doméstica, principalmente o consumo, com o auxílio luxuoso do gasto público, anabolizado pelo aumento do salário mínimo.
Todavia, essas ações não ocorrem sem reação por parte do público. Não por acaso, as expectativas de inflação, que -antes do corte da Selic- sugeriam convergência para a trajetória de metas, passaram a sinalizar um desvio significativo para cima tanto em 2012 quanto em 2013.
As expectativas inflacionárias têm, contudo, impacto sobre a inflação corrente. Qualquer empresa (ou trabalhador) minimamente previdente que esteja no processo de definição de seus preços (ou salários) incorpora a estes um valor relativo à proteção contra sua erosão ao longo do período em que se mantêm fixos. Assim, tipicamente a deterioração das expectativas, resultado da percepção da falta de compromisso com a meta, acaba se traduzindo em aceleração da inflação corrente, independentemente da taxa de crescimento.
Em outras palavras, a troca de crescimento por inflação não é estável: é possível algum ganho temporário, mas, à medida que as expectativas inflacionárias mais elevadas se incorporam à formação de preços, o resultado passa a ser apenas inflação mais alta.
Já o crescimento de médio e longo prazo não é acelerado pela inflação, pois resulta essencialmente da capacidade de expansão da oferta, ou seja, do nível de investimento em períodos mais curtos, e da demografia, da educação e da expansão da produtividade ao longo de um horizonte mais extenso.
Por outro lado, dada a provável aceleração da economia em 2012, a se traduzir em queda adicional do desemprego e da capacidade ociosa, aumentam as chances de um novo repique inflacionário em 2013, como, aliás, sugerido pelas próprias projeções do BC em seu mais recente Relatório de Inflação.
Partindo da inflação já acima da meta, isso acabará forçando o BC a elevar novamente a Selic, mas já num contexto de expectativas bastante deterioradas.
Sob tais circunstâncias, a convergência à meta será bem mais custosa em termos de perda de produto do que seria caso o problema tivesse sido tratado a tempo. O custo de recusar a enfrentá-lo a tempo será o aumento da volatilidade do produto, supostamente o que se quis reduzir no ano passado.
Pensando bem, talvez seja mesmo o caso de comemorar a inflação no topo da banda, porque as coisas podem piorar bastante daqui para a frente.
Fonte: Folha de S. Paulo, 18/01/2012
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