Maneiras de dizer são essenciais à sociabilidade humana e, com mais razão ainda, ao mundo político. Uma ação bem-sucedida, a que alcança os seus objetivos, depende, e muito, de como as coisas são apresentadas, desde o tom da voz, o modo de escrever, até o argumento propriamente dito. Quantas vezes observamos em nossa vida cotidiana que algo saiu “errado” pelo uso de uma palavra inconveniente, uma frase mal colocada ou um gesto indevido.
Uma aproximação amorosa se vê freada, quando não literalmente fracassada, pelo emprego de uma expressão mal usada, produzindo o afastamento em vez da aproximação. Quantos amigos de longa data nunca mais se falaram, porque não se entenderam, porque suas falas ou seus escritos não foram devidamente “compreendidos”. As histórias da literatura e da filosofia estão cheias de casos deste tipo.
No mundo político, por sua vez, a forma de dizer e a de escrever são, por assim dizer, tudo, sobretudo em Estados democráticos que adotam procedimentos baseados em discursos, eleições, formação da opinião pública, efeitos retóricos e demagógicos. Instituições independentes como o Executivo, o Legislativo e o Judiciário empregam suas respectivas linguagens. Se um discurso não “pega”, um político e um partido podem ver frustrados os seus projetos.
Assim, políticos e partidos, em vez de mostrarem o seu voraz apetite pelo Poder, por cargos e privilégios, dizem que estão adotando uma “responsabilidade conjunta de governar”, quando se trata de mero “fisiologismo”. A expressão “responsabilidade conjunta de governar” procura produzir um efeito positivo, enquanto a palavra “fisiologismo” tende a produzir o efeito contrário.
No mundo jornalístico e da mídia em geral, o uso de determinadas palavras já é dirimente na apresentação dos fatos, pois os próprios fatos são a sua forma de apresentação. O convencimento, frequentemente, já se produz mediante a utilização de certas palavras, expressões e frases. O leitor, o ouvinte e o telespectador são induzidos a adotarem uma determinada posição positiva ou negativa em relação ao fato. Dependendo da palavra ou frase, o seu efeito já está garantido.
Vejamos, por exemplo, como as palavras “progressistas” e “conservadores” são empregadas por certos formadores de opinião e por atores políticos e sociais. Aqui, aliás, já está subjacente a ideia de que ser “progressista” é um valor positivo, enquanto ser “conservador” é um valor negativo.
Nesta perspectiva, querer conservar uma relação amorosa poderia ser considerado algo moralmente negativo, pois a mudança estaria do lado do positivo, o que poderia, inclusive, se o argumento for levado ao seu extremo, conduzir à consideração da libertinagem ou da promiscuidade enquanto valor moral superior. Neste caso, salta aos olhos a inadequação do uso desses conceitos. Mas será que a situação é substancialmente diferente quando nos movemos para outras esferas da atividade humana?
Peguemos o caso da legislação trabalhista brasileira. Datada do período Vargas, isto é, de um outro país e de um outro mundo, ela continua a vigorar, apesar de reformas menores. Ela está imbricada com toda uma legislação sindical, atrelando os sindicatos ao poder do Estado, passando ele a controlar os seus passos e, inclusive, os seus recursos. Trata-se, evidentemente, de um projeto político que, em um determinado momento, produziu resultados sociais satisfatórios. Aqui, surge a ideia da mudança enquanto necessária em função de um mundo essencialmente outro, com novas tecnologias e novos meios de comunicação de massa. As atividades produtivas e empresariais mudam, então, essencialmente.
As transformações são de tal ordem que eram, há meio século e mais, literalmente impensáveis. O exemplo do computador é, talvez, o mais notável. Temos, porém, também, as viagens aeroespaciais, os novos medicamentos e os novos exames médicos. Tudo mudou. E, no entanto, quando se pensa em adequar as legislações trabalhistas e sindicais a esse novo mundo, surgem as vozes da discordância, dizendo-se “progressistas”. Na verdade esse tipo de posição é profundamente “conservador”, sendo os seus representantes sindicais tudo, menos progressistas.
O novo sindicalismo que nasceu no ABC paulista, sendo Lula o seu mais célebre representante, advogava pelo fim do imposto sindical, pela liberdade de escolha e considerava os representantes sindicais, daquele então, “pelegos”, uma expressão claramente depreciativa. Os “pelegos” estavam atrelados ao Estado, obedecendo aos governantes e usufruindo do imposto sindical e dos privilégios desses cargos. Ora, o governo Lula terminou por aprofundar esse processo, fazendo com que, inclusive, as centrais passassem a gozar diretamente do imposto sindical, sem passar, mesmo, pela fiscalização do Tribunal de Contas. Veja-se a situação curiosa. A palavra pelego desapareceu e os “novos pelegos”, agora, se apresentam como “progressistas”. Ou seja, “o pelego é o progressista”!
Outro caso particularmente notável é o de invasões de terras, porque é bem disto que se trata. Os “invasores” se apresentam como “ocupadores”, pois na primeira acepção haveria uma conotação negativa, enquanto na segunda apareceria uma acepção positiva, a de ocupar, por exemplo, um espaço vazio. Alguns jornalistas usam a palavra “ocupação de terras”, porque já partem para a defesa da “invasão”, procurando, evidentemente, velá-la. Trata-se de uma operação ideológica que, para ser bemsucedida, depende de que os cidadãos passem a compreender “ocupação” em vez de “invasão”. Poderíamos radicalizar o argumento, mostrando que, nesse caso, a invasão de domicílios passaria a ser compreendida como uma “ocupação”, onde os direitos dos proprietários cessariam de valer.
O mais esdrúxulo, todavia, é que os invasores são tidos como “progressistas”, como se a invasão da propriedade alheia e a apropriação do trabalho e do esforço dos outros fosse um sinal inequívoco de “progresso”. Que país pode, assim, “progredir”?
Fonte: O Globo, 17/01/2011
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