Ao dizer que pretende sair, mas que só não o faz para evitar o caos no Egito, o ditador Hosni Mubarak piscou pela enésima vez desde o início da crise. Tudo indica que o ditador egípcio Hosni Mubarak errou ao tentar dispersar as manifestações contrárias ao seu governo na base da ameaça. Ao colocar nas ruas bandos de capangas para se confrontar com os manifestantes, o governo egípcio tentava dar ao mundo uma demonstração de que existem cidadãos que se dispõem a sair às ruas para defendê-lo.
Mas a estratégia foi tão mal construída que vários desses “manifestantes” a favor do governo foram identificados como agentes das forças de segurança do governo, e muitos deles tinham inclusive carteiras de identificação como policiais.
Em vez de demonstrar força, a ação dos capangas pagos pelo dinheiro dos contribuintes egípcios, que estão nas ruas justamente contra os abusos do Estado, trouxe à opinião pública internacional a certeza de que o governo de Mubarak não tem mais condições, sejam morais, sejam práticas, de conter a situação.
Se a ideia era assustar os manifestantes, que estão nas ruas há dez dias, também não funcionou, pois as manifestações só fizeram aumentar a partir da constatação de que os que protestam têm razões genuínas para estar nas ruas, enquanto os “defensores” de Mubarak só são mobilizados à custa de dinheiro, o que expõe ao mundo a fragilidade do atual governo.
Mubarak piscara várias vezes nos últimos dias, primeiro quando anunciou que não se candidataria a um novo mandato. Depois, quando avisou que o vice-presidente do Egito, Omar Suleiman, de seu esquema militar e nomeado nos primeiros dias da revolta popular para um posto que nunca havia sido ocupado, também não seria candidato.
Como não aplacasse a fúria das ruas, Mubarak teve que anunciar que seu filho Gamal, apontado como seu provável sucessor, também não disputaria as eleições de setembro, data que ele quer manter para as eleições que definiriam o fim de seu mandato.
Não parece ser o suficiente, porém, nem para os que estão nas ruas pedindo sua saída imediata, nem para os governos dos Estados Unidos e de países europeus como a França.
Ainda existe nesses governos a vontade de preser var o antigo aliado, mas não no poder. As pressões se direcionam para a convocação imediata de eleições, embora ainda se tente garantias para que Mubarak não tenha que sair foragido do país, o que parece cada vez mais difícil.
A repercussão da violência no Egito restringe cada vez mais a margem de manobra a favor de Mubarak.
Já é possível encontrar nos muros de Paris uma série de pichações relacionando a crise na Tunísia e no Egito com os problemas internos dos imigrantes, especialmente os dos países árabes que têm ligação histórica com a França e volta e meia incendeiam literalmente as relações com o governo, especialmente nas periferias da cidade.
A perseguição aos jornalistas estrangeiros que acompanham a crise e enviam seus relatos a partir do Cairo e outras cidades revoltadas, é mais um ingrediente contra o governo de Mubarak, que a cada dia vê seu campo de manobra ser reduzido.
A justificativa oficial para a perseguição a jornalistas estrangeiros é que a imprensa internacional estaria fazendo uma cobertura com o viés contrário ao governo, ajudando dessa maneira os manifestantes que querem a queda de Mubarak.
O fato de o primeiro ministro Ahmed Shafiq ter pedido desculpas pelo ataque de partidários do presidente Hosni Mubarak aos manifestantes que pacificamente defendiam a democracia nas ruas mostra que a reação das gangues armadas e pagas pelo esquema policial de Mubarak, que deixou ao menos uma dezena de mortos e mais de mil feridos, muitos dos quais vagam pela Praça Tahrir como zumbis insistentes, só fez piorar a situação do governo.
Ele anunciou que as investigações revelarão quem está por trás “desse crime e quem permitiu que ele ocorresse”, e eles serão “punidos”. Shafiq foi incisivo: “Não há qualquer desculpa possível para atacar manifestantes pacíficos”.
Na versão do ditador Mubarak, no entanto, os confrontos foram insuflados pela Irmandade Muçulmana, o que serve para aumentar o pavor que o Ocidente tem de que esse grupo radical islâmico assuma o poder com sua saída, embora claramente não esteja liderando a oposição.
Tanto o vice-presidente quanto o primeiro-ministro, militares do esquema governamental, haviam sido nomeados como alternativas para que o partido do governo continuasse no poder em caso de o ditador ter mesmo que desistir, o que foi devidamente interpretado pela oposição como uma tentativa de permanência no poder sem negociações.
O que acontecerá no Egito é um sinalizador para outros países da região que também estão às voltas com manifestações populares. E parece estar assustando muito além da região.
O fato de a China ter censurado a internet, especificamente para impedir consultas sobre a crise no Egito, é um sinal de que outras ditaduras não querem saber de manifestações contra autoritarismo, mesmo indiretas.
Fonte: O Globo, 04/02/2011
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