Há um certo consenso no país sobre os objetivos para a economia. É necessário combater a inflação, reduzir a carga tributária e o custo das empresas, e incentivar a produção e o investimento
Está ficando claro que o governo quer combater a inflação via desonerações tributárias, pelo menos parcialmente. Para alguns é a solução ideal. A redução dos impostos leva a uma queda de preços que alivia a inflação, economizando altas exageradas de juros (e seus efeitos colaterais sobre a atividade, emprego e salário). Ao mesmo tempo ataca-se a elevadíssima carga tributária, um problema estrutural no Brasil. Parece um almoço grátis, contrariando a máxima de que isso não existe em economia. Infelizmente não é o caso, vejamos por quê.
Para começar, as desonerações não são de graça nas contas públicas. Sem uma compensação via corte de gastos do governo ou aumento de outros impostos, as desonerações reduzem o superávit primário, e, mesmo com o benefício de juros menores, ameaçam elevar a relação dívida-PIB no médio prazo.
A redução da carga tributária baseada em piora fiscal tende a ser temporária, já que em algum momento será necessário fazer um ajuste fiscal (i.e, corte de gastos ou volta da carga tributária) para restabelecer a estabilidade da dívida pública no médio prazo e a responsabilidade fiscal.
Ter custo fiscal não é necessariamente ruim, desde que os benefícios das desonerações sejam palpáveis.
Infelizmente, no combate à inflação, os benefícios percebidos das desonerações no curto prazo não se estendem no longo prazo.
A queda do superávit primário equivale a uma política expansionista, que gera aumento da demanda e pressiona a inflação. Afinal, corte de impostos é um clássico instrumento de incentivo ao consumo: quanto mais repassado ao consumidor, maior o incentivo.
Mas não falta consumo no Brasil. O seu crescimento tem sistematicamente excedido a expansão do PIB, principalmente nos últimos dois anos. O Banco Central (BC) tem reconhecido nos seus documentos oficiais que o crescimento do PIB tem sofrido de problemas de oferta. Ou seja, o crescimento tem sido limitado pela produção, não pela falta de incentivo ao consumo (ou demanda em geral).
Esse descompasso entre crescimento da oferta e demanda é a raiz da parte mais resistente da inflação. Ao estimular o consumo, a política de desonerações agrava o descompasso entre a oferta e a demanda, e alimenta a inflação no médio prazo.
Pode-se argumentar que reduzir impostos estimula a oferta (aumenta a produção), já que reduz os custos das empresas. De fato, se as desonerações tivessem focado nos custos das empresas, e não nos consumidores, o impacto seria diferente. Com custos menores, as empresas produziriam mais. Mas as desonerações estão sendo direcionadas aos consumidores. Há uma pressão para o repasse integral dos benefícios aos preços, o que auxilia na inflação de curto prazo, mas não para restabelecer a competitividade das empresas. Sem mexer na competitividade das empresas dificilmente haverá incentivo a maior produção e investimento. A política de desonerações incentiva o consumo, mas não o investimento, na contramão da necessidade atual da economia brasileira.
O peculiar dessa política é que os efeitos no curto prazo são contrários aos efeitos permanentes na inflação. Enquanto no curto prazo a queda dos impostos tende a reduzir os preços e a gerar um alívio temporário, o impacto permanente é de mais inflação. E quanto maior o repasse do benefício tributário pelas empresas aos preços, o incentivo ao consumo será maior. Ou seja, quanto mais bem-sucedida a política sobre a inflação no curto prazo, mais difícil será segurar a inflação no médio prazo.
Há um certo consenso no país sobre os objetivos para a economia. É necessário combater a inflação, reduzir a carga tributária e o custo das empresas, e incentivar a produção e o investimento. Mas o diabo está no desenho das políticas. As desonerações tributárias, se repassadas aos preços, aliviam a inflação no curto prazo, mas a pioram no longo prazo, já que incentivam o consumo, e não o investimento. Desonerações focadas nas empresas, financiadas por cortes de gastos públicos, teriam efeito benéfico no longo prazo. Da mesma forma, inúmeras reformas que atacam a complexidade de se produzir no Brasil, com impacto direto na produtividade, poderiam incentivar o crescimento e simultaneamente combater a inflação de forma permanente.
Fonte: O Globo, 02/04/103
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