Qualquer exagero terá impacto nos preços dos serviços e na previdência.
Este título foi a resposta do antológico Dadá Maravilha (Dario, centroavante do Flamengo e imposto à seleção brasileira em 1970) à pergunta de um repórter sobre quanto estava pedindo para renovar o seu contrato com o clube carioca. Esta também parece a diretriz das centrais sindicais na disputa em torno do valor do salário mínimo.
Essa é uma discussão recorrente no início de cada ano. Por um lado, o governo ciente das dificuldades orçamentárias da previdência social e da maioria dos municípios, procura estabelecer um valor que se restrinja as disposições legais que, atualmente, são extremamente magnânimas: por ela, o salário mínimo recupera o valor real e aumenta proporcionalmente ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.
Por outro la, as centrais sindicais lutam por estabelecer valores superiores ao proposto pelo governo, objetivando um piso maior para seus membros, já que este tem o salário mínimo como referência. Essa discussão termina usualmente por decisão parlamentar em que o governo costuma ser derrotado.
Um exame da evolução do salário mínimo real (ver Ipeadata no site www.ipea.gov.br) mostra que, após ter declinado continuamente desde 1982 até 1994, quando valia apenas R$ 274,00 (a preços de novembro de 2010, incluindo o 13º salário), o salário mínimo real inicia um vigoroso processo de recuperação que traduziu-se no crescimento de 31% até 2002 e de 58% daí até 2010 acumulando um aumento real de 106% nos últimos 16 anos.
A despeito do baixo valor absoluto, o salário está compatível com as condições do país em geração de renda
O valor do salário mínimo proposto para este ano é de R$ 545,00 e a aplicação da regra atual, considerando-se algumas previsões de mercado para a inflação e o PIB, segundo Cristiano Romero no Valor Econômico de 26/01/2011, significaria um aumento de 19,8% reais nos próximos quatro anos, totalizando 136% em 20 anos.
Alta superior a essa ocorreu no período 1951-61, quando o salário mínimo recuperou-se de seu menor valor histórico e cresceu 282% em 10 anos. A consequência deste aumento foi uma inflação acumulada de 540% naquele período (média de 20% ao ano).
Essa última frase remete a questão do valor do salário mínimo para além do dilema mencionado no início deste artigo. O valor do salário mínimo tem consequências econômicas mais amplas: o Plano Cruzado naufragou na onda de um aumento salarial inconsequente. Muitas vezes essas consequências econômicas têm desdobramentos políticos trágicos: no Brasil, João Goulart foi deposto depois de um aumento do salário mínimo, que levou a inflação para 90% ao ano; Salvador Allende, em 1970, foi deposto da presidência do Chile pelos militares e assassinado, no bojo de uma inflação alimentada por um aumento salarial incompatível com a realidade econômica.
O que seria um valor razoável para o salário mínimo, que busque atender a sua lei original, mas que seja compatível com as possibilidades do país? A comparação internacional de seu valor absoluto pode levar a enganos importantes: o salário mínimo americano é cerca de quatro vezes superior ao brasileiro o que, pretensamente, indicaria o quão baixo é o nosso salário mínimo. Mas, esta não é uma boa base de comparação. Um princípio básico da teoria econômica é que “o padrão de vida de um país depende de sua capacidade de produzir bens e serviços”, vale dizer do seu PIB, ou melhor, de seu PIB per capita. E, o PIB per capita americano é cerca de 4,7 vezes o brasileiro.
Parece, portanto, razoável comparar o salário mínimo anualizado com o PIB per capita de alguns países e assim ter uma dimensão da posição do Brasil. Verifica-se que o salário mínimo do Brasil em 2000 era 28% do PIB per capita, aumentou para 30% em 2002 e para 36% em 2009 e 2010.
Os dados da OCDE (www.ocde.org) permitem a comparação com 19 países de 2000 a 2009. Verifica-se que o Brasil está em 2009 um pouco abaixo da média e da mediana (40% ambas) do grupo.
Estamos em situação semelhante ao Chile; superior aos Estados Unidos (31%), República Eslovaca, México (apenas 13%), Luxemburgo, Hungria e República Checa; e, inferior à Austrália, Bélgica (55%), Canadá, França, Grécia, Coreia do Sul, Holanda, Turquia (61%) e Reino Unido.
Outra comparação interessante é a do salário mínimo com o salário médio. Verifica-se, que o salário mínimo do Brasil em 1990 era 35% do salário médio (segundo as Contas Nacionais publicadas pelo IBGE), cresceu para 40% em 2000, para 45% em 2002 e, de 2005 a 2008, tem média de 50%.
Comparativamente aos demais 23 países para os quais os dados da OCDE permitem fazer comparações, em 2008 o Brasil apresentava o maior valor (51%), bastante acima da média (35%) e da mediana (34%). No extrato superior à média e a mediana estão: Austrália, Bélgica, Canadá, França, Grécia, Irlanda, Holanda, Nova Zelândia, Espanha, Turquia e Reino Unido (38%). No extrato inferior estão: República. Checa, Hungria, Japão (30%), Coreia do Sul, Luxemburgo, México (o menor valor – 19%), Portugal, República. Eslovaca, Estados Unidos (25%), Lituânia e România.
Tomando o Índice de Desenvolvimento Humano-2010 (IDH das Nações Unidas), o Brasil está numa posição (73º – “alto desenvolvimento humano”) em que supera apenas a Turquia entre os países acima mencionados. A despeito disso o Brasil tem um salário mínimo comparativamente ao PIB per capita maior do que vários deles que estão inclusive no grupo de “muito alto desenvolvimento humano”. Por sua vez, considerando-se a relação do salário mínimo com o salário médio, a posição do Brasil é excepcional.
Portanto, o salário mínimo brasileiro, a despeito do seu baixo valor absoluto está perfeitamente compatível com as condições de geração de renda do país. Podemos avançar mais, mas isto não poderá ocorrer na velocidade do período recente sob o risco de trazer efeitos colaterais indesejáveis. Inequivocamente, a política de recuperação do valor real do salário mínimo desde 1994 trouxe notáveis melhorias em termos da redução da desigualdade e do padrão de vida dos pobres.
Entretanto, qualquer exagero nessa política trará pelo menos dois impactos negativos: em primeiro lugar, pressiona a escala de salários e os preços dos serviços; em segundo lugar impacta a previdência, reduzindo a poupança pública. Ambos os efeitos pressionam a inflação. O resultado síntese é o aumento da taxa básica Selic e a redução do crescimento econômico e do emprego.
Fonte: Valor Econômico, 02/02/2011
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