Outrora mais autárquica e fechada que a própria União Soviética, a ex-maoísta China se reinventa mais uma vez e dá lição a países capitalistas como o Brasil
A frase creditada a Deng Xiaoping de que “não importa a cor do gato, contanto que coma o rato” é batida, virou chavão, mas poucas resumem com tanta precisão a capacidade da China de se reinventar, tão logo, sob o comando de Deng, após a morte de Mao, decidiu incorporar características infalíveis da economia capitalista.
A medida do sucesso da ousadia é conhecida: a China se tornou a segunda economia do mundo em menos de uma geração. E se prepara para fazer outra “revolução”, ao constatar o esgotamento do modelo de “economia socialista de mercado”, de ainda grande intervencionismo estatal.
O curioso, e até irônico, é que, ao contrário de países capitalistas como o Brasil, constatada a limitação do modelo, a China não insiste no mais do mesmo, e conclui, com acerto, que a saída está em menos Estado, não em dobrar a aposta no estatismo. Herdeiros do maoismo ensinam aos seguidores do capitalismo de estado.
Há poucos dias, foram divulgadas novas estatísticas que confirmam a desaceleração chinesa: em maio, completaram-se, pela primeira vez, sete meses consecutivos de queda da produção industrial.
Na crise mundial deflagrada em 2008, a China desembrulhou um grande pacote de estímulos oficiais, e deu certo. Agora, a decisão de se abrir novos espaços para o setor privado e reduzir o intervencionismo, algo bem mais radical, se deve à constatação de que o país se encontra diante de limitações estruturais: a população está mais velha, a mão de obra passa a ser mais bem remunerada — deixa, então, de ser decisiva como fator de impulso às exportações — e , diante de tudo isso, a China necessita de um novo salto, impossível de ser dado sem o capital privado e mais liberdade às às leis de mercado.
A inflexão, considerada a mais importante em uma década, marca a chegada ao poder de um novo grupo dirigente, à frente dele o presidente Xi Jiping e o primeiro-ministro Li Keqiang, assessorados, segundo o “New York Times”, por uma equipe de tecnocratas pró-mercado.
A nova elite chinesa entende, com acerto, que sem aprofundar a desregulamentação, privatizar setores será impossível alocar com eficiência os recursos necessários para um novo ciclo de crescimento, cujas características, entre outras, será de uma produção mais voltada ao mercado interno e um sistema produtivo mais eficiente, para compensar a tendência de valorização da moeda nacional.
O anúncio das mudanças, feito no mês passado pelo primeiro ministro Li, para todos os filiados ao Partido Comunista, por teleconferência, é considerado o pronunciamento mais importante em dez anos de uma alta autoridade.
Serve de exemplo ao Brasil, tímido, ainda, para atrair o setor privado a áreas em que faltam capital e capacidade administrativa. Os comunistas chineses parecem mais espertos que os nossos.
Fonte: O Globo, 5/6/2013
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